Opinião
Ilusão
O último ano foi particularmente feliz para as grandes empresas tecnológicas.
Avançámos esta semana mais um passo no plano de desconfinamento. Um passo pequeno, cheio de condições, exceções e contradições, que só nos parece fim de cárcere porque estamos sôfregos de uma cerveja numa esplanada.
Esta ilusão de liberdade resulta apenas do cansaço crescente de todos os virtualismos. Teletrabalho, tele-escola, tele-reuniões, tele-compras, tele-jantares, tele-amigos, tele-namoros; os ecrãs de computadores e telemóveis tornaram-se ainda mais importantes no último ano… E com tantos ecrãs a dominarem o nosso mundo, os efeitos foram imediatos.
O último ano foi particularmente feliz para as grandes empresas tecnológicas. Apesar do adágio popular que desliga dinheiro de felicidade, a verdade é que o crescimento dos lucros de Amazon, Facebook, e outras que tais, deixou muitos felizes.
Por exemplo, Jeff Bezos, o dono da Amazon, viu a sua fortuna crescer de 115 mil milhões de dólares para mais de 180 mil milhões, e Mark Zuckerberg, dono da Facebook, que passou de 55 mil milhões para mais de 100 mil milhões atualmente.
Dois dos mais vibrantes apóstolos da “religião do bilionarismo”, com fiéis pelo mundo inteiro (que os reverenciam, mas nunca serão mais que pobres).
Esta “felicidade” foi construída, fundamentalmente, sobre inobservância de práticas de boa cidadania.
A Amazon é reconhecida pelo seu desdém pelas condições de trabalho e direitos dos trabalhadores pelo mundo fora, impedindo a sindicalização dos seus trabalhadores. Uma empresa “moderna”, a usar discursos e práticas do século XIX.
Já a Facebook é useira e vezeira em desrespeitar a privacidade dos seus utilizadores, permitindo a manipulação de eleições e contribuindo enormemente para o clima podre de trincheira em que vivemos. Mas, mais importante que estas já habituais críticas, será este mundo virtual mesmo o futuro e não lhe podemos escapar? Não.
Se é verdade que a tecnologia de comunicação veio para ficar, a forma como ela existe e é usada hoje não é imutável. Pode (deve!) mudar e deixar de ser uma selva sem lei que produz bilionários e pouco ajuda pequenos negócios, pessoas e comunidades. Nada é eterno e inevitável.
A ilusão do mundo online – em particular o das redes sociais – acabará, provavelmente em breve.
À medida que se compreender melhor que as redes sociais não são um espelho do mundo, mas sim um repositório de artificialismo e logro.
Quando o aparente sucesso financeiro de “youtubers” e “influencers” se revelar ilusório. Quando a fama por ser famoso não for suficiente. Aí acabará esta ilusão – possivelmente para ser substituída por outra.
Mas, entretanto, reconfortame saber que continuamos essencialmente animais gregários e sociais, saturados de confinamento que parece cárcere. Que a ilusória tele-existência não nos satisfaz, das crianças aos velhos, passando pelos sempre ditos “animais tecnológicos” adolescentes. Que vamos continuar a querer a aprender, a trabalhar, a conviver a três dimensões, sem ecrãs e aplicações. Que, finalmente, estão abertas as esplanadas!
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990