Opinião

Imunes às emoções

25 nov 2016 00:00

As gerações mais novas já não ouvem um disco do início ao fim. Muitos, já nem uma canção completa! A culpa não é deles. É do excesso de produção e da quantidade infindável a que, actualmente, temos facilmente acesso.

Caminhamos, abruptamente, para uma sociedade imune à emoção, ao encantamento, ao talento e, pior, à dor e ao sofrimento. A nossa contemporaneidade é um quadro ruidoso onde uma “overdose” de informações e conteúdos se sobrepõe, camada após camada, até se tornar numa indecifrável e caótica cacofonia. Caber-nos-ia a nós, se não fosse tarefa impossível, fazermos uma triagem da gigantesca avalanche de "coisas" com que somos brindados todos os dias.

Provavelmente, no dia de hoje, em Portugal, já se tiraram mais fotografias numa hora do que todas aquelas que se tiraram no nosso país entre 1950 e o ano 2000. Olhem a música por exemplo! As gerações mais novas já não ouvem um disco do início ao fim. Muitos, já nem uma canção completa! A culpa não é deles. É do excesso de produção e da quantidade infindável a que, actualmente, temos facilmente acesso.

Longe vai o tempo em que dissecávamos um disco. Ouvíamo-lo tantas vezes que o sabíamos de cor. E no campo da literatura? Já pensaram quantas vezes tínhamos que viver para que pudéssemos ler todos os livros que, só ontem, foram editados na Europa? Hoje consome-se tudo numa espécie de “fast forward”. Ouvimos, lemos, vemos, sentimos na “diagonal” sem nos apercebermos que assim nada conhecemos verdadeiramente. E é nesta azáfama de superficialidade que perdemos o culto aos artistas.

Subestimamos a qualidade porque já não lhe devotamos espanto ou admiração. Banalizámo-la, como se o arquétipo de perfeição fosse uma coisa inata da criação, como se fosse o novo normal. Estamos pois, repito, imunes às emoções. Já pouco se aplaude entre as músicas dos concertos, mesmo que estejamos a assistir a algo fora de série! Porquê? Porque já nada nos surpreende. Já nem mesmo a excelência! Inesperadamente, caminhamos para um mundo amorfo. Um mundo feito de indiferença, de desinteresse, entediado.

*Presidente da Fade In

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