Opinião

Um medo de morte

2 fev 2017 00:00

Consumada a colaboração, e seguindo a tradição do que se costuma dizer quando se cumpre um sonho, era chegado o momento de proferir o respectivo chavão: "Pronto, já posso morrer!".

O refrão que escrevi para a primeira canção que o projecto Ode Filípica compôs e editou após um hiato de mais de 20 anos, dizia: If life is a ride I want to be the last one to cross the finishing line.

A frase, que em tradução livre e criativa pode significar qualquer coisa como "se a vida é uma corrida eu quero ser o último a chegar à meta", pretendia evidenciar o desejo intrínseco que temos em prolongar, o mais possível, o nosso tempo de existência. Adiar, portanto, ao máximo, a nossa "partida" (leia-se, morte).

Na canção, a mensagem ganhou contornos melodramáticos, épicos, quase cinemáticos, muito por culpa da excelsa interpretação que o mestre Andrew King lhe conferiu. Afinal, foi precisamente pelos predicados de narrador, dicção e entoação vocal que ousei convidar o britânico (de quem sou fã assumido) para recitar e gravar um texto meu.

Surpreendentemente, a criatura, de colossal sabedoria e formidável intelecto, aceitou o meu desafio sem qualquer hesitação. Consumada a colaboração, e seguindo a tradição do que se costuma dizer quando se cumpre um sonho, era chegado o momento de proferir o respectivo chavão: "Pronto, já posso morrer!".

Mas, convenhamos, não seria lá muito oportuno "partir" no momento em que se concretizava, precisamente, uma apologia poética ao adiamento desse "fim de linha". No entanto, não era de todo inédito que tamanha ironia acontecesse.

Recordemos, por exemplo, a insólita morte de Boris Vian que se foi "desta para para melhor" em 1959, aos 39 anos, com um enfarte do miocárdio, quando assistia à estreia do filme Irei cuspir-vos nos túmulos - uma adaptação de uma novela sua com o mesmo nome.

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*Presidente da Fade In