Opinião
Inconformismos e desígnios do Amor
Tenho-te encontrado nos relatos dos teus amigos. Nos testemunhos das vossas livres alvoradas
Quem me dera ter-te ainda. Porque o tempo não é a cura para tudo. Nele se vão evolando a nostalgia e a saudade das lembranças do que permanece, como um esteio do que já fomos ou ainda seremos. Há em mim e em tudo o que me rodeia, um espaço vazio, uma fissura.
E nos ângulos do espanto ficam sitiados os fios do desamparo, as derivas reflectidas, legados cíclicos nas paredes da nossa casa demolida, no cadenciado ritmo das ausências e das estações. É oco e vão o tempo desguarnecido. Faltas-me.
Tenho-te encontrado nos relatos dos teus amigos. Nos testemunhos das vossas livres alvoradas. Fixo-me nos seus olhos turvos, na sua voz entorpecida. Revelam-me histórias em que o tom ameno, a paciência singela e o humor compassivo eram a matriz da tua presença.
Sabes, ainda os povoas de cumplicidades e comoções. Dizem-me que eras e sempre foste de palavra, confiável. Que lhes davas consolo. E isso faz crescer em mim, mais ainda, a tua ausência. O que dói. A ferida da falta que vive connosco e não sara. Essa mágoa que sobrevive, muito mais do que qualquer outra marca imanente no coração.
A tua morte gerou o que na vida se extinguiu. A impiedade inevitável dos sonhos. O léxico da alma sustida. A casa sem ti. O terraço sem a tua alvura. A guitarra sem o nosso dedilhado. O entoar suspenso das canções e dos gracejos. Mas subsiste a fidelidade ao que herdámos. O jeito desprendido e informal. Os desígnios da transparência. Há quem não entenda o apego a esse desconsolo. Um dinástico propósito. A centelha do destino candente.
Pois talvez não sintam o desvelo das partidas. Hoje, mais do que nunca, no solfejo das estrelas convoquei a escuridão da noite, num voo rasante ao mar dos nossos olhares inaugurais, onde ousámos ser pescadores de melancolias.
E assim, num tom inconformado, regressei aos versos do Zeca que me ensinaste a entoar, sem nenhuma réstia de enganoso amor: “E as vozes embarcam / Num silêncio aflito / Quanto mais se apartam / Mais se ouve o seu grito”.