Opinião

Isto é uma coisa a ver | Jurado Nº 2

5 jan 2025 15:25

Eastwood acrescenta camadas narrativas que aprofundam a reflexão sobre culpa, redenção, verdade e justiça

Com uma longevidade e genialidade invejáveis, Clint Eastwood realiza, aos 94 anos de idade, o filme Jurado Nº 2, que estreou no dia 20 de dezembro na plataforma Max quase sem passar pelo circuito das salas de cinema.

O filme de Eastwood não pode deixar de ser visto como um tributo a Doze Homens em Fúria, realizado por Sidney Lumet em 1957, em que doze jurados se reúnem para decidir a sentença de um porto-riquenho acusado de matar o próprio pai. Aí, é Henry Fonda, no papel do jurado número oito, quem vai, contra os restantes onze jurados, argumentar a favor da dúvida razoável que permitirá o veredito de inocente, desmascarando, no processo, os preconceitos sociais e raciais que enviesam o julgamento individual e põem em perigo a justiça.

Jurado Nº 2 segue o esquema de Doze Homens em Fúria (o júri tem de decidir a inocência de um traficante de droga, membro de um gangue, acusado de ter assassinado a namorada depois de ter sido visto a discutir violentamente com ela num bar), conseguindo o mesmo efeito de mostrar como as vivências e convicções pessoais podem impedir um julgamento objetivo dos factos e de como a argumentação pode ser usada para moldar pontos de vista. No entanto, Eastwood acrescenta camadas narrativas que aprofundam a reflexão sobre culpa, redenção, verdade e justiça. Para isso oferece, não apenas o processo de deliberação dos doze jurados como acontecia em Doze Homens em Fúria, mas o próprio crime, o culpado, o julgamento, as expectativas e o passado das personagens, criando uma teia complexa de dilemas morais nas quais o espectador se vai enredando.

Ao contrário do filme de Lumet, que mantinha até ao fim o público tão ignorante dos factos quanto os jurados, obrigando-o a movimentar-se, como eles, da certeza para a dúvida, Eastwood dá ao espectador toda a informação necessária para que este possa determinar a culpa ou a inocência dos envolvidos, conduzindo-o, ambivalentemente, de questão em questão e de incerteza em incerteza até ao fotograma final, mostrando que a justiça poderá ultrapassar a mera verdade factual dos acontecimentos. A pergunta central que o filme parece colocar, pela voz do jurado número dois, Justin Kemp (interpretado por Nicholas Hoult), é a de se alguém é, efetivamente, capaz de mudar. Rapidamente se percebe que uma resposta afirmativa leva a uma segunda questão: se é possível mudar, qual é então a responsabilidade que o novo eu deve ter pelos atos cometidos no passado? Deverá ser condenado pela pessoa que foi quando já é outro? E o que acontece quando essa pessoa somos nós e temos o conhecimento de todos os atenuantes?

Todas estas questões se enquadram numa reflexão mais vasta e profunda acerca da relação entre a consciência moral e a responsabilidade coletiva, para a qual Clint Eastwood parece apontar caminhos sem impor direções, impedindo o distanciamento afetivo e reflexivo do público, como de resto acontece com a grande maioria dos seus filmes. Ainda que Jurado Nº 2 encerre, pela mão da Procuradora interpretada por Toni Collete, com a afirmação de que apenas a verdade serve a justiça, ficam no espectador, como no júri de Doze Homens em Fúria, desmascarados os preconceitos e instalado o mal estar a que a dúvida conduz.