Opinião
Jingle bells
Se o Natal nos dói por alguma razão, é importante aceitar os nossos sentimentos mesmo que diferentes dos da maioria das pessoas que nos rodeiam, porque continuam a ser válidos e legítimos
Há um ano atrás perguntava a que vos cheirava o Natal. Este ano pergunto-vos antes como o sentem. Gostam? Não gostam? Sentem-se seguros e em paz com a vossa família ou é nos amigos que encontram esse conforto? No que pensam quando chega o tempo do advento? No nascimento do menino Jesus, nas prendas, nas férias escolares ou nas rabanadas?
Eu gosto do Natal. Pensando bem, até gosto muito! É tempo de reunir a família e de estar próximo dos que estão sempre disponíveis para mim. Na realidade, é mais um episódio que se junta à celebração do amor que temos uns pelos outros, e eu sou uma sortuda! Lá em casa
somos muitos e nada, nem mesmo a partida do meu pai há três anos atrás, nos enfraqueceu a vontade de estar juntos, muito pelo contrário! A estrutura de referência pode não estar intacta, mas o lugar que à mesa ficou vazio deu lugar a emoções fortes, emoções essas que fazem o peito bater com mais vigor pelas memórias que aconchegam e unificam na ausência.
Mas o Natal não é bom nem é fácil para todos. Circunstâncias várias podem tornar esta época sombria e quando impera tristeza em tempos de alegria sofre-se muito mais. Há estudos que dizem que 60% das pessoas sente stress e cansaço nesta altura do ano. Situações de luto, de
divórcio ou separação, de saúde, de migração, de incompatibilidades familiares ou de dificuldades financeiras podem tornar esta altura do ano particularmente difícil. Até mesmo a própria logística das festas, a divisão do tempo entre famílias, a confusão que tende a instalar- se no trânsito e nas superfícies comerciais pode gerar emoções negativas.
Como em tudo na vida, nada é igual para todos e mais uma vez compreender o lugar do outro é fundamental.
A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), dá algumas dicas para que se viva o Natal com menos culpa, stress e ansiedade. Uma delas é a definição de expetativas adequadas à nossa realidade financeira e emocional. Se o dinheiro é pouco, limitar os presentes ao orçamento disponível e considerar alternativas às prendas. A hipótese do amigo secreto funciona. Todos têm uma prenda e as crianças deixam de empilhar embrulhos.
Infelizmente, Natal ainda é sinónimo de corrida louca às lojas, quando o que verdadeiramente importa são as relações com os outros. Na realidade, como bem sabemos, há outras formas de mostrar o nosso amor que não prendas. Gustavo Carona, médico dedicado a missões humanitárias, acerta na mouche ao sugerir que no Natal se ofereçam antes palavras bonitas a quem amamos, a quem mais delas precisa e a quem menos espera a beleza dos nossos gestos.
Tão simples, tão sensato e tão básico. É disto que todos precisamos. Nada mais que isto. Há palavras que salvam vidas e silêncios que matam, acrescenta.
Se o Natal nos dói por alguma razão, é importante aceitar os nossos sentimentos mesmo que diferentes dos da maioria das pessoas que nos rodeiam, porque continuam a ser válidos e legítimos. É sempre boa ideia falar do que nos inquieta e, às vezes, temos mesmo de dizer aos outros o que devem evitar dizer-nos ou em que tarefas não queremos estar envolvidos.
A mudança de tradições e de rituais habituais também pode ajudar a atenuar lembranças dolorosas, assim como a definição de limites. Saber dizer não a situações ou pedidos que criam desconforto é essencial. Depois, se há aquele familiar que tende a provocar discussão, manter a distância, evitar temas sensíveis e antecipar atividades para envolver a família.
Sermos gentis e pacientes connosco próprios é lema.
Simplicidade nesta quadra, apela o Papa Francisco.
Escutar e tornarmo-nos verdadeiramente presentes é o melhor que podemos oferecer. Que saibamos como Scrooge, emblemática personagem de Charles Dickens, perceber que a essência do tempo que vivemos está na partilha dos nossos privilégios, na generosidade.