Opinião

Fugas

12 dez 2025 16:32

O custo-benefício de se usar o álcool como escape não compensa, os problemas não desaparecem

Tenho um problema com o álcool, mas não esse que estão a pensar. É uma coisa antiga, mas ainda capaz de ativar memórias desconcertantes.

Em tempos, aprendi a repugnar o álcool em adultos responsáveis e a achar-lhe graça em jovens que procuravam libertar-se de amarras que introvertiam a coragem de ser mais audaz. Odiei-o por omissões, por ausências, por não poder contar com quem tinha o direito de reivindicar presença. Revoltava-me a cedência fácil e cobarde. Entristecia-me que mais um copo levasse a melhor, que a prioridade não fosse outra.

Foi difícil ver as coisas de outra forma, mas crescer não é somar anos apenas, é ganhar perspetiva também. E, aos poucos, percebi que na base de um comportamento que privilegia uma substância em detrimento da harmonia relacional está algo de que provavelmente fugimos (de nós próprios, talvez).

Eu sei que somos pessoas de festejar (e ainda bem), há momentos e situações que merecem brindes espalhafatosos e bem regados. E agora que a quadra natalícia se aproxima, não há cá bacalhau sem um bom vinho que lhe faça justiça.

No entanto, a reflexão que aqui deixo é: com que frequência o fazemos? Qual o nosso padrão de consumo? Quão convencional achamos que seja fazê-lo? Quem poderemos estar nós a negligenciar?

Dados recentes dizem que os portugueses são os maiores consumidores de bebidas alcoólicas dos países da OCDE, com 11,9 litros de álcool per capita por ano, sendo que os homens apresentam duas vezes mais perturbação de uso de álcool e substâncias. Não me parece que seja por acaso ou tradição…

É certo que o autocuidado é fundamental. Reservar tempo para nós e para as coisas que gostamos é imperativo para suportar a cadência de um dia atrás do outro. Mas, nem sempre as estratégias que escolhemos são eficazes. O custo-benefício de se usar o álcool como escape não compensa, os problemas não desaparecem. Adormece-se apenas a sua consciência e a preocupação com a sua resolução. A inquietação, essa, continuará lá, porque não é o copo que pesa, mas sim aquilo de que se foge.

Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990