Opinião

Jogos de poder

11 jun 2024 08:00

Porque é sobre atletismo que escrevo e porque nos Jogos Olímpicos ele é rei, hoje falo de alturas em que o que aconteceu nas pistas dos Estádios teve um impacto político e social muito para lá das bancadas.

Julho vem aí e com ele o início do maior espetáculo do mundo, 17 dias em que os destaques da comunicação social se dividem entre a cena política mundial (guerras, eleições, migrações, etc) e os feitos desportivos de um punhado de eleitos que foram escolhidos para nos representar, comuns mortais, junto dos deuses do Olimpo.

E se durante a maior parte do tempo o mundo do desporto e aquele em que vivemos parecem coexistir em universos paralelos que não se tocam, na verdade a História e as suas estórias contam-nos uma versão diferente. Porque é sobre atletismo que escrevo e porque nos Jogos Olímpicos ele é rei, hoje falo de alturas em que o que aconteceu nas pistas dos Estádios teve um impacto político e social muito para lá das bancadas.

Falo p. ex. de Jesse Owens que em Berlim (1936) numa edição coreografada e filmada por Leni Riefenstahl para glória do regime nazi e da raça ariana, venceu 4 medalhas de ouro e, diz a lenda, obrigou Hitler a sair mais cedo do Estádio por não querer entregar ou mesmo assistir à entrega das medalhas a um negro que teimava em ganhar e receber os aplausos da multidão e a admiração do mundo.

Uma primeira facada no coração da “superioridade” ariana que tanta destruição traria ao mundo anos depois durante a II Guerra Mundial. Mais bonito é saber que Owens foi ajudado pelo rival alemão Lutz Long no ajuste da corrida de chamada na qualificação para a final do salto em comprimento, onde triunfou precisamente à frente deste.

Falo de Abebe Bikila, o etíope que venceu a maratona em Roma (1960) e que passou à história por ter corrido completamente descalço. Mas o seu feito tem um simbolismo maior. Para além de ter sido a primeira grande vitória de um atleta africano em competições de longa distância nas Olimpíadas: em 1935 a Etiópia tinha sido invadida pelos exércitos de Mussolini que espalharam o caos e o terror por onde passaram. Que doce vingança poucos anos depois um etíope cruzar o arco de Constantino em primeiro numa das provas míticas do atletismo.

Falo por fim de Tommie Smith que no México (1968) subiu ao pódio com o seu colega de equipa John Carlos e que durante a cerimónia das medalhas da prova de 200 metros, descalços e com uma luva negra calçada baixaram a cabeça e levantaram os punhos durante o hino, em protesto contra a discriminação dos negros nos EUA, em plena época de luta pelos direitos civis.

Hoje vistos como heróis por terem lutado por uma causa em que acreditavam, pagaram um preço elevado por ousarem desafiar a imparcialidade dos princípios olímpicos, conforme definida pelo COI à época. No entanto, o seu exemplo e o que representavam foram uma luz de esperança e uma inspiração para a sua geração e para todos nós que acreditamos num mundo melhor, sem discriminação, sem ódio e sem violência.

Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo ortográfico de 1990