Opinião
Leiria não é Ibiza, mas (às vezes) lembra Jerusalém
Sem surpresa, continuamos impávidos a assistir à implantação do modelo Santana Lopes da “cidade sempre em festa”
Nefastas circunstâncias levaram-me a passar a temporada estival na região. Não irei aqui explorar os motivos profundos deste desenlace, mas posso indicar o preço do gasóleo, o arroz a dois euros e um problema associado ao fabrico de uma mousse de ananás e um despedimento, como razões para este verão na aldeia.
As semanas de retenção continuada entre a Marquês de Pombal e a Heróis de Angola, permitem-me partilhar algumas ideias sobre o quotidiano nesta pacata capital de distrito, por alguns mentecaptos chamada também de Coimbra-sul.
Não há como negar evidências: aqui existe de facto um estranho dom para a confecção de morcelas. Mais ou menos gordas, com mais ou menos cominhos, e sempre a módicos preços, todas elas merecem destaque. Outra tendência que constatei liga-se à importância do frango assado na dieta local. Ninguém se questiona sobre a origem das aves e molhos que as temperam, outra marca assinalável dos nossos hábitos de consumo.
Anoto ainda, com franca preocupação, a verdadeira guerra-civil que continua a experienciar-se em qualquer rotunda da cidade. Qual Bakhmut, uma viagem aos infernos pode muito bem passar pela travessia da rotunda de São Romão, ou da recauchutagem.
Sem surpresa, continuamos impávidos a assistir à implantação do modelo Santana Lopes da “cidade sempre em festa”. Do calendário de espetáculos que durante estas semanas alimentou a enchente de pessoas que passaram pela cidade, destacaria a imparável receita medieval que circula pelo país, preenchendo o território urbano com marroquinos, espadas, fumo e fardos de palha.
Pouco tempo depois, e continuando a recordar o velho mestre Gualdim Pais, deparei-me com uma farta invasão católica. Fiéis de todos os cantos do mundo, cantando as glórias de cristo, passeavam-se por toda a região. Deste evento, anotaria o misterioso desaparecimento de uma centena de representantes do catolicismo africano, e o avistamento de um bonito grupo de pessoas da Nicarágua a orar e a comprar pão na praia da Vieira.