Opinião

Lembram-se do objetivo 10 da ODS?

10 fev 2023 11:22

Cá por estas bandas aparece como escândalo, e bem, o bónus de 3 milhões de euros a atribuir à CEO da TAP se cumprir os objetivos do plano de reestruturação

Meu caro Zé, 
Todo o mundo “enche a boca” com a Sustentabilidade, mas talvez esteja a ser muito esquecido o chamado objetivo 10 – “Reduzir as desigualdades no interior dos países e entre os países”. E, para atingir esse objetivo é necessário “garantir a igualdade de oportunidades” e “reduzir a desigualdade de resultados, eliminando leis, políticas e práticas discriminatórias”.

Já não chega, portanto, e oxalá isso já fosse uma realidade, criar iguais oportunidades, impondo-se também a redução das desigualdades nos resultados obtidos. Parte estará nas leis e nas políticas, mas outro, e não menos relevante, está em cada indivíduo e em toda a sociedade e, em particular, nas empresas.

A esse propósito creio que vale a pena citar o Prémio Nobel da Literatura (1986), Wole Soyinka, nigeriano, que no seu último livro, “Crónicas do Lugar do Povo Mais Feliz da Terra” (2020, ed. Em 2022 por “Livros do Brasil”), relata uma conversa de um pai sobre um filho que lhe dá preocupações: “Eu meti-o na firma, de modo que agora está completamente embrenhado no negócio da família. Mas tem de subir a pulso. Foram outros que ajudaram a construir a firma, não foi ele. São seus superiores”.

A firma aparece, pois, como uma construção de todos e é isso que tem de se ter em conta na apropriação dos resultados, se quisermos responder positivamente ao objetivo 10.

Cá por estas bandas aparece como escândalo, e bem, o bónus de 3 milhões de euros a atribuir à CEO da TAP se cumprir os objetivos do plano de reestruturação. Curiosamente, tem-se em menos atenção o mais de meio milhão de salário anual fixo que ela recebe.

A reação à situação decorre do facto de a TAP ter consumido 3,2 mil milhões de euros dos contribuintes e cortado salários dos trabalhadores, além de despedimentos e é, naturalmente, mais que justificada. Mas será que, querendo atingir o objetivo 10 da Sustentabilidade, grande desigualdade de rendimentos dentro das empresas se justifica? É óbvio que leis e políticas adequadas, desde que cumpridas, podem contribuir para corrigir em parte as discriminações existentes. Mas a realidade mostra bem que “planeamentos fiscais”, “offshores”, eventuais evasões fiscais e políticas inadequadas pouco têm conseguido.

Para se atingir esse objetivo é, antes de tudo e como decorre da citação atrás feita, olhar a empresa como comunidade e, portanto, em que os resultados obtidos são fruto da contribuição de todos e não só de alguns, sem prejuízo de reconhecer o significativo peso do papel seminal dos seus donos ou acionistas. Quando assim é, as leis do mercado são, dentro da empresa, plasmadas por princípios de equidade, atenuando-se essas diferenças. Já estaremos nesse caminho?

Até sempre,