Opinião
Literatura | Gramática da Fantasia - Se não há remédio, remediado está
Os dias inusitados que temos estado a experienciar nos últimos dois meses, não os imaginaríamos possíveis senão num palco, numa tela, nas palavras escritas de um Nobel, na criatividade de um artista, ou nos nossos pesadelos, daqueles que nos fazem acordar em sobressalto e não pregar olho o resto da noite…
Qual mau presságio que queremos que fique bem longe do nosso caminho… Na verdade, foram para todos, e estarão ainda a ser dias de emoções alternadas e angústias intermitentes.
Numa primeira fase, olhámos com incredulidade para os acontecimentos, numa espécie de estado choque, ao sabor das emoções e das notícias, sorvendo ao minuto a atualidade, ao encontro de visionários e fazedores de futurologia num misto entre a morbidez humana de querer ver até onde ia o caos e um desejo premente de que nos dissessem os que opinam, que estava tudo bem, que bastava a abrir os olhos e lavar a cara, que tudo não tinha passado de um pesadelo, ou que poderia na verdade não o ser , mas que iríamos em breve voltar à normalidade, a vida nossa de todos os dias…
Depois veio a fase de por a casa em ordem, de arrumar prateleiras e gavetas reais e para alguns afortunados as de si, com leituras, finalização de trabalhos pendentes, criação, e re-invenção que deve ser uma das palavras mais comuns no léxico destes dias, logo a seguir a Covid, Pandemia, Crise… e claro Novo Normal… e veio também uma angústia crescente a quem ficou sem chão, e não estava ainda a ver de que forma se poderia reinventar… procurando mais uma vez opiniões deste e daquele intelectual, que conforme personalidade ou área de especialidade se pronunciava em visões ora mais positivas, ora mais catastrofistas do futuro… e que seria assim… que o normal tal como o conhecíamos era agora ficção e que o presente-futuro destes dias seria o Novo Normal.
Vem agora então a fase que só a sensação apaziguadora que o passar do tempo nos traz, como humanos que somos, que é a do conformismo (mesmo que inconformado), a do sarar de feridas, ou a do aprender a contorná-las… que é mais ou menos a que estamos a viver agora… a do que “o que não tem remédio remediado está”, sigamos em frente porque “o caminho se faz caminhando”… estamos vivos e arregaçaremos mangas para enfrentar esta normalidade estranha que ainda não sabemos como vai ser… mas é também nesta fase que deixamos de nos preocupar com a opinião dos outros, dos catastrofistas ou dos que veem sempre o lado positivo das coisas, são opiniões, valem o que valem… seguimos os nossos instintos… seja… se agora o normal é este, daremos o nosso melhor e atalharemos caminho… se não posso ir ao mercado…o mercado pode vir até mim…, a livraria traz-me a casa os livros que os meus filhos gostam, já que os meus trará também mas eu não tenho tempo nem disponibilidade mental para os ler, se não podemos ir à escola a escola vem-nos a escola no computador e na televisão…se não posso ir a concertos…para já ouço-os em streaming, se não posso ir a conferências ou a congressos…inscrevo-me e participo em webinars que me fazem sentir perto e parte sem o estar e ser verdadeiramente…se não posso ir à praia… improviso praia na varanda… se não posso estar com os meus, telefono, ou gravo uns vídeos ou almoço em família via zoom… ainda bem que inventaram as estas novas tecnologias e a internet antes da pandemia, se não imaginem… podia ser imensamente pior… Como te estás a aguentar? perguntamos uns aos outros… está tudo bem… vai estar… isto passa…
Era tão bom se fosse assim tão simples, não era? Não sejas assim… até pode ser… descomplica vá!
Então para já, cliché ou não, não baixando os braços e arregaçando as mangas, define-se a estratégia dia-a-dia, na ânsia de reinventar novos normais bem mais interessantes do que este…
Se não há remédio…remediado está…descomplica vá!
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990