Opinião
Mimetismo e metamorfose, o jogo do engano e a sobrevivência em sociedade
As redes sociais ampliaram as nossas carências e a nossa necessidade de mostrar que o nosso interior é mais paradisíaco do que o dos outros
O inseto pau não tem consciência da sua fisionomia, ele não tem influência na escolha de um aspeto que lhe permite camuflar-se com grande eficiência no meio da vegetação. O mimetismo é a capacidade de certas espécies se ocultarem, sendo muito eficiente para garantir a sobrevivência e a possibilidade de reprodução. Existem outras capacidades, como a reprodução dos coelhos, o tamanho dos elefantes e certos dinossauros, assim como as habilidades físicas de certos felinos. Estas foram fundamentais ao longo dos Éons geológicos para garantir a sobrevivência de algumas espécies em detrimento de outras. O mimetismo é o jogo do engano e é curioso perceber como o engano se tornou num dos grandes pilares do sucesso na natureza. O engano é também uma das armas mais poderosas para o sucesso em sociedade. Mas a que preço?
Enquantol lia um artigo sobre mimetismo e evolução fui reflectindo como o nosso ecossistema pessoal imita as posturas e estratégias que as espécies tomam nos ecossistemas naturais. A sobrevivência em sociedade é difícil, e existe a necessidade de competir, ocultar, mostrar o nosso lado mais forte e imitar comportamentos que parecem adequados para manter o nosso status social. Tal como os coelhos se reproduzem de forma compulsiva, nós também “proliferamos” os nossos contactos e amizades, perdendo o foco inicial do que realmente importava manter. No meio de tudo isto, podemos perder a nossa interioridade? Fingimos que sobrevivemos? Ou somos apenas uma versão beta da pessoa que deveríamos ter sido?
Vamos imaginar que podemos usar uma certa camuflagem do nosso interior, como se o nosso "EU" fosse um grande ecossistema, como uma Terra em mudança. Este suposto Eu interior, tal como a Terra, tem praias paradisíacas e florestas verdejantes, mas como nada é perfeito, teria também desertos áridos e montanhas de lixo. Se mantivéssemos esta ideia do nosso interior como uma grande metáfora do nosso planeta. Este tem sempre as paisagens mais "instagramáveis" para mostrar à fauna envolvente em oposição aquilo que queremos esconder. Vivemos num culto da felicidade. As redes sociais vieram expor uma necessidade que a natureza humana tem de mostrar que estamos sempre bem. Vivemos num jogo de ilusão. Conseguem imaginar alguém em 1983 a tirar uma foto ao pequeno almoço para depois mostrar aos amigos? O que é que estes iriam pensar? As redes sociais ampliaram as nossas carências e a nossa necessidade de mostrar que o nosso interior é mais paradisíaco do que o dos outros. Qual a vantagem deste jogo de ilusão? Será este o caminho? Que jogo é que podemos estabelecer connosco?
No presente... ao longo da nossa vida... Existe um fenómeno na natureza chamado de coevolução. Esta reflete a história evolutiva de espécies em simultâneo. O caso do predador e a presa que evoluem em conjunto ao longo da sua história biológica. Assim, quando a presa melhora a sua camuflagem, o predador evolui para vencer o engano. Também nós, com a idade, vamos melhorando a nossa capacidade de nos enganar a nós mesmos? Teremos de manter o esforço do predador para manter a nossa interioridade em ordem?
A metamorfose é um processo de transformação radical e completo, onde um ser vivo passa por mudanças significativas na sua estrutura e forma, resultando numa nova identidade e comportamento, geralmente como parte de seu ciclo de vida. Alguns exemplos de metamorfose incluem a transformação de uma lagarta em uma borboleta, a mudança de um girino em um sapo, podemos brincar com a ideia de metamorfose para o nosso EU mais intimo? Podemos usar esta metáfora em oposição a um mimetismo interior? Qual seria a mais vantajosa?
A metáfora que relaciona o “EU” interior com o mimetismo e a metamorfose pode parecer um pouco estranha. A metamorfose é um processo mais duro, que requer uma energia incandescente e uma mudança lenta. É um caminho penoso, que pode envolver a destruição de antigos padrões e a criação de novas formas de ser e de se relacionar com o mundo. Ambas as formas de lidar com o eu interior são importantes, mas a metamorfose leva a um crescimento mais profundo e transformador. De acordo com a expressão senegalesa "é melhor uma criança feia que se pareça conosco do que uma bonita que se pareça com o nosso vizinho", é importante construir uma imagem honesta de nós mesmos e investir no desenvolvimento da pessoa que queremos ser. É difícil fazer o caminho da mudança para nos tornarmos na pessoa que queremos ser. No entanto, a lentidão da tectónica de placas pode servir como uma inspiração para a lentidão necessária em mudanças interiores.
A metamorfose interior é uma escolha consciente de evolução pessoal. Enquanto certas espécies dependem da camuflagem para sobreviver, nós, como seres humanos, devemos buscar uma transformação interna autêntica para alcançarmos a realização pessoal. É verdade que mudar internamente é difícil e muitas vezes preferimos o jogo do engano pois esse tipo de transformação exige paciência, persistência e, muitas vezes, dor.
A coevolução entre presas e predadores serve também como uma metáfora para a metamorfose pessoal? Quando a presa melhora sua camuflagem, o predador evolui para vencer o engano. Da mesma forma, quando melhoramos o nosso mimetismo interno, enfrentamos novos desafios. A reflexão tem de ser do nosso árbitro. Devemos manter o jogo com nós mesmos, continuar a crescer e aceitar as dificuldades. É através dessas dificuldades que nos transformamos. Portanto, é essencial construir uma imagem honesta de nós mesmos e investir no desenvolvimento da pessoa que queremos ser.
Existem flores que podem mimetizar insetos fêmea para atrair insetos macho e assim favorecer a polinização, fundamental para a sua sobrevivência. De tantas perguntas que este texto deixa em aberto acho que o mais importante, a título pessoal, seja evitar uma sobrevivência que viva do engano. Principalmente do nosso. Devemos procurar uma transformação interior autêntica para alcançarmos um caminho que nos represente. Um caminho que seja uma busca construtiva que desague no surgimento de tal pessoa que queremos ser. Talvez seja um caminho difícil, mas também é uma aventura. A aventura da nossa vida consciente, cujo final não conhecemos, mas o que realmente parece importar é começar…