Opinião

Música | Não, não pode

24 mai 2024 10:51

A parte invisível da troca de cenários entre cada canção, que é feita para não ser vista, deixa antever um trabalho incrível tal era a metamorfose da canção para canção por parte da equipa técnica. Essa sim – a par dos intérpretes - está de parabéns.

1) Convencionou-se durante muitos anos dizer mal do festival da canção e da Eurovisão. Sem bons resultados, os treinadores de sofá tornaram-se como aqueles dirigentes desportivos que entram em campo a pedir satisfações. Depois veio o terramoto Salvador Sobral e as pazes foram feitas. Este ano o confortável décimo lugar de Iolanda alimentou o bromance.

Mas o concurso nunca foi só sobre canções, mas sim sobre países (e no caso das votações do público da sua diáspora já que o votante de cada país “não pode” votar no seu), orgulhos nacionais (e afinidades transfronteiriças, o que é claramente um gesto político). Este ano foi claramente político com a situação de Israel. Numa hipocrisia, como a Europa sabe tão bem encenar, a organização continuou com a conversa estafada de que é um evento apolítico, como se isso fosse possível em qualquer circunstância. A Eurovisão – que excluiu a Rússia – manteve Israel fez a sua escolha e não segurou a sua coluna vertebral.

Alheia a isso tudo esteve a equipa de produção do evento. Como já disse, a Eurovisão é primeiro sobre países, depois sobre canções, a seguir sobre cada intérprete e finalmente vêm as coreografias e cenários. A parte técnica esteve imaculada, um verdadeiro showroom das novas tendências estéticas para a música ao vivo, com tecnologia de ponta ao serviço do entretenimento, com orçamentos faraónicos a condizer, mas que produzem resultados.

A parte invisível da troca de cenários entre cada canção, que é feita para não ser vista, deixa antever um trabalho incrível tal era a metamorfose da canção para canção por parte da equipa técnica. Essa sim – a par dos intérpretes – está de parabéns.

2) O engenheiro do som norte americano Steve Albini morreu demasiado cedo e deixa um enorme vazio. Gravou nomes como Nirvana, Pixies ou PJ Harvey, mas nunca deixou de gravar uma banda underground se assim o entendesse.

Adepto do analógico, Albini era crítico do modelo de negócio do meio musical, nunca abandonou a sua atitude punk e era a prova viva que, mesmo nadando entre os grandes tubarões, não significa necessariamente que se possam perder valores ou – como os outros – a coluna vertebral. Já com um bom pedigree curricular, construiu um estúdio novo e andou lá a assentar tijolo como os outros.

Albini também poderia ser brutalmente honesto, e as suas críticas a salas, públicos e outros músicos também lhe valeram alguns ódios de estimação. Mas as grandes personalidades são assim. Nunca confies em alguém que diz não ter inimigos. Deve ter feito alguma coisa de mal. As derivações entre o mainstream e o underground nunca lhe fizeram confusão, não tivesse ele uma vida dupla. É que também era bicampeão de poker em Las Vegas.