Opinião
Nada sei
Literacia em saúde parece ser algo muito deficitário na sociedade atual. Mas também literacia social e até comportamental
Quando Sócrates (o filósofo, entenda-se) disse que nada sabia, apontava para a intrínseca humildade associada à “posse” de conhecimento. De facto, quanto mais sabemos, quanto mais conhecemos, mais noção temos de que nada sabemos. De que o mistério da Vida, do Universo, é demasiado grande e infinito para o conseguirmos algum dia abarcar. Era isto a que Sócrates provavelmente se referia.
Hoje, com tanto conhecimento disponível, a vários níveis, vivemos um fenómeno estranho de desconhecimento, quase que numa analogia ao conceito de matéria e anti-matéria da Física.
Hoje, parece que se sabe menos do que antes, em que nada se sabia. A minha avó não sabia ler nem escrever, mas sabia o que fazer se eu tivesse febre. Mais ainda, sabia reconhecer uma febre em que afinal já não sabia o que fazer, para então procurar ajuda de um médico.
Hoje, parece que ninguém sabe o que isso é (e desculpem-me os que sabem, claro). Por tudo e por nada procuram assistência médica, consumindo tempos e recursos que depois faltam para aqueles que efetivamente deles precisam. E que têm que “ficar na fila” (salvo seja), à espera de vez para serem atendidos, ou acudidos, como dizia a minha avó.
Literacia em saúde parece ser algo muito deficitário na sociedade atual. Mas também literacia social e até comportamental. Entre outras que não sei caracterizar porque nada sei de ciências sociais. O que sei é que parece que estamos a perder competências básicas, que no tempo em que nada se sabia, todos conheciam. Será que os “famosos 2%” de que se fala sobre a utilização da capacidade cognitiva do nosso cérebro, por estarem a ficar ocupados com tanto conhecimento científico e técnico, estão a “deitar fora” outros importantes conhecimentos, sociais, e o ainda mais relevante “bom senso”?
Não sei, nada sei. Só sei que “dantes” não se ia ao médico a correr “por tudo e por nada” (desculpem-me os que não fazem isso) e que os miúdos corriam, pulavam, caiam. A toda a hora. E escondiam isso dos pais, para não ficarem de castigo “ainda por cima”. E genericamente corria tudo bem.
Hoje, à primeira arranhadela, os filhos queixam-se aos pais, e os pais queixam-se ao médico. E genericamente também corre tudo bem. Os médicos têm é que trabalhar obrigatoriamente muito mais horas para conseguirem “chegar” àqueles que “ficam na fila” e precisam mesmo deles. Será por isso que fazem greve?
Não sei. Nada sei. Mas sei que algo precisa mudar, em todos, para manter sustentável uma das maiores conquistas sociais do nosso País.