Opinião

Não à eutanásia ou as incoerências deste tempo

31 mai 2018 00:00

Ficou, assim, adiada uma coisa tão óbvia como é a possibilidade de se colocar termo à existência quando esta deixa de ter sentido e se transforma num martírio impossível de aguentar, onde a palavra vida não passa de uma metáfora.

Esta foi uma semana muito triste para todos os que acreditam que o ser humano não veio ao Mundo para sofrer. É bem sabido que nem todos pensam assim, bastando olhar para a história e perceber como o sofrimento foi recorrentemente usado pelos maiores déspotas e criminosos da história para alcançarem os seus intentos, para castigar ou, simplesmente, pelo prazer de ver sofrer.

Da tortura da Inquisição aos campos de concentração de Hitler, do escafismo dos persas à morte por apedrejamento dos talibans, o sofrimento sempre foi utilizado como forma de castigo, de prova de superioridade e de humilhação, sendo a morte rápida concedida a um inimigo entendida como uma acto de misericórdia e de dignidade oferecida.

Algo que, por exemplo, Jesus Cristo não conseguiu da parte dos romanos, vendo a agitação social que provocou ser castigada com a pior pena capital da época, a morte lenta na cruz.

Não querendo dizer, obviamente, que quem se opõe à alteração da Lei é adepto do sofrimento humano, a verdade é que foi evidente durante o debate das últimas semanas que, para esses, há outros argumentos que se lhe sobrepõem, sejam convicções religiosas, ideologias políticas, questões éticas e jurídicas de forma, mas também, em boa parte, a imagem social e o ‘porque sim’ demagógico.

Ficou, assim, adiada uma coisa tão óbvia como é a possibilidade de se colocar termo à existência quando esta deixa de ter sentido e se transforma num martírio impossível de aguentar, onde a palavra vida não passa de uma metáfora.

E dizemos adiado, porque é tão certo que dentro de algum tempo o tema regresse à agenda política, como o é a estranheza com que, dentro de algumas décadas, as gerações vindouras olharão para uma Lei difícil de entender à luz do que é o ser humano e a sua liberdade individual, como hoje acontece sobre tantas coisas quando olhamos para trás.

Nesse tempo que virá, certamente que haverá falta de argumentos para perceber as razões que levavam a deixar-se uma pessoa a agonizar em sofrimento até à morte, prolongando contra a sua vontade uma vida vazia de qualquer sentido e dignidade.

Os filmes de época dessa altura, que retratarão o nosso tempo, impressionarão pela crueldade de se deixar sofrer sem nada fazer para apressar o inevitável, mas também por retratarem famílias e amigos a assistirem de mãos atadas e coração nas mãos ao definhar de alguém que amam.

Perguntar-se-ão, nessa altura, pela misericórdia que a religião reinante na época, eventualmente o principal entrave à mudança da Lei, tanto apregoava…

*director