Opinião
O apagão e o infeliz “salve-se quem puder” nas cidades
No apagão de abril as cidades voltaram a demonstrar uma certa fragilidade social, onde o individualismo se sobrepôs ao bem comum
No dia 28 de abril o País ficou às escuras. Eu sei que a falha foi a meio da manhã e que a ausência de nuvens e a presença dos fortes raios de Sol perspetivavam um ótimo dia de primavera, mas a escuridão a que me refiro transporta-me para o vazio com que ficaram as nossas vidas sem acesso à rede de telemóvel, à internet e às notícias da televisão.
De repente deixámos de ter contacto com o mundo real através do mundo virtual e isso deixou-nos com uma sensação de perda e de desnorte absoluto. Alguns de nós ainda se lembrava da falha elétrica do ano 2000 e do ano 2021, onde tudo se resolveu, mas com o passar das horas e a falta de acesso a notícias credíveis e oficiais, o receio e o pânico começou a instalar-se.
Os pais e as mães começaram a ir buscar os seus filhos à escola suspeitando de algo mais grave do que uma simples perda de energia. As portas de algumas lojas começaram a fechar-se. Começou a corrida desenfreada aos enlatados, à agua potável e ao papel higiénico (um fenómeno esquisito que teve início na pandemia). Prateleiras esvaziadas e carrinhos a transbordar de forma a levar o máximo de produtos para a sobrevivência ao “apocalipse”.
As filas de carros junto às estações de serviço começaram a aumentar e algumas pessoas, para além dos depósitos dos seus veículos, também enchiam os jerricans com o máximo de combustível que conseguiam. Um nervoso miudinho pairava no ar das cidades e a nossa falta de preparação e incapacidade para lidar com uma situação de emergência começou a revelar-se à medida que o tempo foi passando e a eletricidade não regressava. “Se isto for mesmo o fim do mundo, eu e a minha família estaremos a salvo com atum, água, papel e o depósito do carro atestado, os outros que se desenrasquem”.
Provavelmente este terá sido o pensamento de muitos daqueles que agiram de forma desesperada ao apagão do último mês. E talvez seja também por isso que, mais uma vez, a cidade perdeu em relação à aldeia. A falta de empatia e o desespero demonstrado por uma grande parte das pessoas que vivem nas cidades contrastou com o sentido de comunidade e entreajuda daqueles que vivem no campo.
Provavelmente o acesso à terra, às hortas e ao gado trouxe mais uma vez a calma e a vantagem de reagir pacificamente a uma situação adversa. Fico sempre com a ideia que as pessoas do campo têm os sentidos mais apurados e acredito que sejam também mais criativos a criar soluções de sobrevivência.
No apagão de abril as cidades voltaram a demonstrar uma certa fragilidade social, onde o individualismo se sobrepôs ao bem comum. Que nos sirva de alerta para que no futuro possamos promover mais a consciência coletiva de maneira a que as nossas cidades sejam mais aldeia no que diz respeito à resiliência e à empatia que devemos ter uns com os outros.
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990