Opinião
Só um pouco de menos ódio, por favor!
Os portugueses também acham que os imigrantes são importantes para a economia mas ao mesmo tempo não os querem cá
O artista brasileiro Ygor Marotta, em 2009, iniciou uma campanha em São Paulo a que deu o nome de Mais amor, por favor. Escreveu esta frase em vários pontos da cidade e a mensagem acabou por ganhar vida própria e chegar a todo o território brasileiro e mais tarde à Europa. Aqui em Portugal várias pessoas utilizaram a mensagem nas suas publicações das redes sociais.
A ideia está lá e é bonita, resgatar o amor nas pessoas e dizer-lhes que pequenas atitudes podem transformar a nossa vida e a dos outros. Pelo menos foi isto que o autor pensou quando colocou em prática esta mensagem. Mas não terá sido ele e todos nós um pouco ambiciosos demais?
A imagem de várias pessoas encostadas à parede numa rua do Martim Moniz só porque têm um tom de pele mais escuro envergonha-nos a todos e rapidamente se transformou na imagem do ano em Portugal pelas piores razões possíveis. O desrespeito total pela dignidade humana.
Rapidamente surgiram várias mensagens de repúdio por aquela ação mas também muitos se colaram a ela, defendendo que também é daquela forma que se mostra a força dos agentes da autoridade e com isso passa uma ideia de mais segurança para a população.
Curiosamente uns dias antes daquela cena lamentável a Fundação Francisco Manuel dos Santos publicou o primeiro barómetro dedicado ao tema da "imigração: a perspetiva dos portugueses”, onde através de uma experiência interativa conseguimos perceber como é que a sociedade portuguesa olha para o fenómeno da imigração, que tem crescido em Portugal.
Uma das ideias principais que resulta do estudo realizado é que 1 em cada 4 pessoas acha que 30% da população em Portugal são imigrantes quando na verdade o valor é de 10%. Os portugueses também acham que os imigrantes são importantes para a economia mas ao mesmo tempo não os querem cá, especialmente se forem de países como a Índia, o Nepal ou o Paquistão.
É curioso o nosso orgulho imenso “por mares nunca dantes navegados” com a chegada à Índia e ao Brasil que nos tornaram os descobridores do mundo, mas talvez por outro lado nunca tenha saído de nós o facto de sermos uma das nações que mais traficou seres humanos. Foram “só” perto de 5,8 milhões de escravos africanos, durante quatro séculos, transportados em navios registados com bandeira portuguesa através do Atlântico para depois serem comercializados.
Andámos a pedir por favor para haver mais amor entre todos e acreditámos que isso resultaria num mundo mais tolerante, mais pacífico e melhor para todos mas, na verdade o ideal é pedir menos ódio no mundo e acreditar que imagens como aquela no Martim Moniz não se voltem a repetir para que a nossa alma não fique ainda mais conspurcada e para que o tom de pele nunca seja um critério para identificar criminosos.
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990