Opinião
O país dos poetas
Estou a lembrar-me da palavra diáspora. Não sei quem a começou a usar, mas é muito mais bonita que emigração.
Portugal é um país de poetas, diz-se. Mas não é verdade. Ou é tão verdade como nos outros países. É mais verdade se dissermos que a língua portuguesa se presta bastante à poesia. E estaremos ainda a exagerar, porque qualquer outra língua se prestará tão bem à poesia como a portuguesa. Temos o Camões, é certo, e o Fernando Pessoa também... E deste argumentário poderemos nunca sair, se assim o quisermos.
Uma coisa posso afiançar: nós temos uma invulgar capacidade poética para amenizar conceitos que dizem respeito a certos fenómenos que, pela sua natureza, são incómodos.
Estou a lembrar-me da palavra diáspora. Não sei quem a começou a usar, mas é muito mais bonita que emigração. Menos agreste, menos contundente, mais amena. Ao invés, emigração é um vocábulo que nos conduz implicitamente à ideia de pobreza, à falta de condições em determinado país para sustentar dignamente e com algum conforto os seus cidadãos, de tal modo que estes se vêm obrigados a procurar noutros países e noutras paragens melhores meios e condições de vida.
Quando falamos em Diáspora, associamo-nos a essa ideia, um pouco romântica, dos portugueses nos quatro cantos do Mundo, a conhecerem e a instalarem-se em novas paragens, num aventureirismo e arrojo cujas raízes parecem remontar, sem descontinuidade, ao séc. XV.
A Diáspora tem muito que se lhe diga, quase permite poetar em seu redor. Mas a Emigração é o que é: seca e agreste. E na realidade, todo o fenómeno da emigração portuguesa do começo do século e depois de meados do séc. XX, está associado, que se queira quer se não queira, a um atraso acentuado de desenvolvimento, quase crónico.
Quando falamos de Emigração não podemos esquecer esse Portugal onde os índices de analfabetismo de todo o séc. XIX e ainda da primeira metade do séc. XX eram dos mais baixos de toda a Europa.
Nem podemos esquecer os índices de produtividade agrícola nos anos 60 do século XX: piores que os da Grécia e da Turquia; nem os índices de mortalidade infantil até aos anos 50: uma vergonha na Europa e no mundo; ou os índices de licenciados nos anos 60: talvez só a Turquia pior que nós; ou ainda os níveis de raquitismo no mundo rural sobretudo no interior do país, provocados por má nutrição: ao nível da Idade Média.
Ou ainda, com as guerras coloniais, um Portugal onde 40% dos orçamentos eram investidos em despesas militares, percentualmente acima dos EUA e mesmo da União Soviética.
Enquanto que Diáspora parece subentender um desígnio da nossa condição de portugueses, a Emigração lembra-nos uma necessidade imperiosa.
A Diáspora é quase um reflexo da nossa mundivisão e da nossa visão poética do mundo; a Emigração significa, ainda para muitos, broa de milho, sardinha assada, bacalhau, pó, carros de bois, segunda ou terceira classe da escola primária... Prefiro, por isso, Diáspora.
Mesmo aquela que ao longo de toda a década passada nos obrigou ainda a “dispersar” pelo mundo, anualmente, mais de 100 mil portugueses.
Emigração é pouco poético!