Opinião
O símbolo da mudança
A vitória portuguesa no Campeonato da Europa de Futebol foi muito mais do que um êxito desportivo.
O golo de Éder que permitiu trazer a taça para Portugal, poderá mesmo ficar para memória futura como o símbolo de uma mudança de mentalidade da população portuguesa que se tem observado na últimas duas décadas, com impactos nas mais diversas áreas.
Apesar de ainda haver alguns resquícios de subserviência e sentimento de inferioridade perante o que vem de fora, a verdade é que estamos a anos luz dos tempos em que vivíamos de joelhos a olhar de baixo para cima. De quando a vergonha, a falta de confiança e o medo nos faziam tremer assim que atravessávamos a fronteira. Uma vitória era perder por poucos, vender um palito para um restaurante de Paris ou Londres era um grande êxito empresarial, ser referido no último parágrafo de uma notícia de rodapé de um jornal norte-americano fazia-nos inchar de orgulho, ser mordomo ou porteira de uma personalidade famosa era o mais alto cargo internacional a que ambicionávamos.
Apesar de tudo, mesmo com as muitas dificuldades económicas que temos tido e de a pobreza continuar a moldar a vida de inúmeras famílias, as novas gerações trouxeram outra mentalidade, uma forma de pensar diferente, um querer mais ambicioso.
Educadas já fora do miserabilismo incutido por Salazar e seus seguidores, essas novas gerações têm mostrado que a matéria de que os portugueses são feitos nada fica a dever à de outros povos e que não há razão alguma para sentimentos de inferioridade. Essa mudança de mentalidade tem sido mais visível no desporto, pelo seu mediatismo e pela possibilidade de mensuração do êxito, mas também noutras áreas se tem feito sentir uma maior ambição e irreverência.
Desde êxitos individuais, com personalidades como António Damásio, Horta Osório, Joana Vasconcelos, Carlos Tavares, Durão Barroso ou António Guterres, para não falar de Mourinho, Figo e Ronaldo, a alcançarem o topo dos topos nas suas áreas, até à afirmação internacional de empresas, projectos e instituições, que deixaram de pensar na forma rectangular do nosso País e olharam para fora sem medo de falhar e sem qualquer constrangimento imposto pelo preconceito.
Hoje temos empresas de topo mundial em diversas áreas, projectos sociais que são case study internacionais, estudos de investigação que se posicionam entre os melhores, damos cartas na arquitectura e somos procurados por cada vez mais turistas. Portugal deixou de ser o País da velha de preto a puxar o burro para ser conhecido pelos projectos de Souto Moura e de Siza Vieira, pelos golos de Ronaldo, pela arrogância vitoriosa de Mourinho, pelo som inovador dos Buraka Som Sistema, pelo surpreendente Vhils, ou por daqui saírem os sapatos que andam nos pés de muitas estrelas. Também agora pela vitória, para muitos improvável, no Campeonato da Europa de Futebol. Mas essa foi apenas mais uma prova de que o País está diferente. Uma prova mais mediática que poderá ficar como símbolo da mudança.
*director do JORNAL DE LEIRIA