Opinião
Os perdedores do euro
As negociações que culminaram com a criação do euro foram difíceis e levaram a que a Alemanha impusesse a sua perspetiva sobre a moeda única e as instituições que a suportam.
A reconstrução de uma Europa devastada após a Segunda Guerra assentou numa reconstrução das infraestruturas e da capacidade industrial destruída.
Contribuiu para isso o Plano Marshall – embora avaliações recentes questionem a dimensão do impacto que o plano teve.
De uma forma simples, o Plano Marshall previa subsídios e empréstimos às economias europeias, que assim poderiam comprar alimentos e equipamentos industriais aos EUA.
Numa vertente política, pretendia evitar-se que a devastação fomentasse a ameaça comunista.
Um importante passo para travar o comunismo na Europa Ocidental foi a criação do marco alemão (vertente económica) e a criação da República Federal Alemã (vertente política).
Durante todo o processo de criação das instituições europeias (CECA, CEE, CE, UE, etc.) o papel determinante da Alemanha foi crescendo.
Enquanto grande potência industrial e uma das maiores economias, o seu peso político cresceu até se tornar um dos líderes de facto da Europa.
As negociações que culminaram com a criação do euro foram difíceis e levaram a que a Alemanha impusesse a sua perspetiva sobre a moeda única e as instituições que a suportam.
O líder de facto escolheu o caminho que melhor lhe servia – e serve.
Num estudo recente do think tank alemão Centre for European Policy (intitulado “20 Years of the Euro: Winners and Losers”), a Alemanha é apontada como o maior vencedor com uma riqueza causada pelo euro de €23.116 por habitante, entre 1999 e 2017.
No extremo oposto da tabela, como os maiores perdedores encontramos Portugal (uma perda de €40.604 por habitante) e, mais surpreendentemente, a França (uma perda de €55.996 por habitante) e a Itália (uma perda de €73.605 por habitante).
É, seguramente, bizarro que um espaço que deveria ser de coesão e solidariedade tenha vencedores e derrotados.
Sobretudo, naquilo que é um dos pilares essenciais da sua construção, a moeda única.
Torna-se cada vez mais claro que sem um inimigo comum (a URSS comunista), os países europeus passaram a dedicar-se a competir em vez de cooperar. A enriquecer à custa do empobrecimento alheio.
E, dentro dos países, repete-se o padrão: os mais ricos enriquecem e o fosso para os mais pobres alarga-se continuamente. Este aviltante sistema de vencedores e perdedores vai contra uma característica básica da espécie humana.
Nós evoluímos em comunidade, porque colaboramos. Porque, como espécie, somos mais bem sucedidos em conjunto do que a soma do trabalho individual.
Os perdedores do euro, como os perdedores de todos os fatores de desigualdade, somos nós, todos.
P.S: Esta crónica tem um particular significado para mim, que a escrevo enquanto me vou despedindo de uma querida amiga que dedicou muito da sua vida a minorar desigualdades e a ajudar a comunidade.
Até sempre, Tatiana!
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990