Opinião

Ovos de víbora

19 jun 2025 08:01

É arrepiante saber-se que qualquer democrata deixará de se sentir seguro enquanto ao lado estiver um neonazi

Se nos mostrarem um ninho com vários ovos idênticos e se não formos dados ao saber na matéria em particular, creio que não saberemos distinguir, assim à primeira, se um daqueles ovos é um ovo de cobra ou de uma víbora. Do pouco que sei, a mordidela da primeira não causará dano de maior desde que devidamente tratada, já a mordidela de uma víbora poderá levar à morte se a vítima não for acudida em tempo útil e por quem saiba administrar o antídoto para o mortal veneno. Se até aqui este raciocínio faz algum sentido, quando os ovos começam a eclodir convém estar atento e ser cauteloso. Se as cobras ajudam no equilíbrio do ecossistema da nossa pequena horta doméstica, já o ataque de uma pequena víbora nos poderá ser fatal.

No ninho acolhedor da nossa Democracia sempre couberam muitos ovos e de muitas espécies. De alguns nasceram belos exemplares que muito têm contribuído para o reforço do Estado de Direito e garantia de equidade nos direitos e deveres universais. Outros houve, infelizmente, que mancharam este projeto comum há cinquenta e um anos iniciado, e pelos seus crimes e independentemente da bandeira, pela justiça foram punidos. Houve exceções? Claro que houve! Há crimes que prescreveram por inércia de quem em tempo e por direito próprio os deveria ter punido. Mas é assim a orgânica dos Estados e tão longe vai a insensatez humana ou peso da influência e do dinheiro. Contudo, mesmo considerando estas manchas na folha da nossa Democracia, poderíamos afirmar com orgulho que vivíamos num país onde a diferença tinha lugar e era respeitada.

Após a divulgação dos resultados eleitorais para a Assembleia da República, os ovos de víbora que esperavam no nosso cesto comum, de uma assentada, quebraram as cascas e deles estão a emergir uma ninhada de víboras que irão tentar matar todas as outras espécies em redor. Desde o último Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, ainda não se passou um dia sem a notícia de mais um crime violento levado a cabo por um energúmeno da extrema-direita. É arrepiante saber-se que qualquer democrata deixará de se sentir seguro enquanto ao lado estiver um neonazi. Não interessa a sua contribuição para o funcionamento da sociedade, a idade, o género. Aos fascistas uma única coisa interessa: não pensas como eu, logo não mereces existir.

Seria suposto que os legítimos representantes da Nação defendessem aqueles que os elegeram em nome da Democracia. Ao que parece não está a acontecer. Quanto muito umas declarações frouxas e sussurradas, não a vá víbora morder-lhes o calcanhar. Quando as forças de segurança foram tomadas de assalto por movimentos inorgânicos e às ordens da extrema direita, quando quem tem o dever de cuidar de todos trata como coisa menor os crimes de ódio, a quem poderemos pedir ajuda quando os fascistas começarem a destruição e a matança coletiva?

Será que só quando houver bibliotecas incendiadas, quando um mentecapto de suástica ao peito chacinar fiéis num qualquer espaço de culto religioso ou massacrar espetadores numa qualquer sala, ou quando um nazi impotente fizer vítimas abalroando transeuntes de domingo à tarde, quando um líder político de um partido democrata for baleado, é que serão tomadas medidas para tentar conter a horda de víboras que por aí começam a erguer-se?

Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo de 1990