Opinião
Perspetivas para o futuro
A humanidade, como tantas vezes perante os charlatões armados de uma promessa de revolução tecnológica, aplaude com deslumbramento, qual coelho a fitar os faróis do automóvel
O início de um novo ano é usado para antever e planear o futuro.
A sensação de recomeço, cada vez que se completa um movimento de translação da Terra, leva-nos a imaginar um mundo de possibilidades, 365 dias de novidades.
Portanto, perspetivamos e traçamos cenários sobre o governo que teremos a partir de Fevereiro; prevemos o momento em que levaremos mais uma ou duas picas; e sonhamos com uma normalidade que não nos obrigue a pensar em testes, certificados, e quejandos.
Mas, olhando mais para a frente, há mais cenários para perspetivar.
Desde logo o crescente impacto da tecnologia no quotidiano de pessoas e empresas.
Já compreendíamos o papel das telecomunicações, durante a pandemia verificámos a importância dos serviços de teleconferência, a nova tendência parece ser o “metaverso”.
Aparentemente, esta combinação de tecnologias – alavancada pelo 5G – permitirá que existamos e nos encontremos em cenários virtuais não limitados pelas leis da física, ou quaisquer outros constrangimentos.
O metaverso parece ser, portanto, uma espécie de Second Life reinventado, com avatares, criptomoedas, e uma infinitude de possibilidades.
Curiosamente, tudo coisas que o Second Life original – lançado em 2003, que recebeu muita atenção mediática entre 2008 e 2010 de tal forma que Obama até fez campanha nessa plataforma – já tinha.
Então, o que aconteceu para que subitamente se tenha começado a falar de metaverso e se assuma – praticamente sem contestação – que este é o futuro? Nada de substancial.
Apenas uma manobra de relações públicas da Facebook que, confrontada com documentos internos publicados que comprovam que a empresa conhece os problemas que causa aos utilizadores, resolveu mudar o nome para Meta e anunciar que ia passar de rede social a agente do metaverso.
Com esta manobra, a empresa pretende não só mudar as atenções, mas também ostentar que não está minimamente interessada em perder o poder absoluto que detém de moldar comportamentos.
As consequências da esmagadora influência do scroll infinito são conhecidas: as fake news, a polarização, o discurso de ódio, e a incapacidade de triar informação e pensar [veja-se o artigo da edição de 06/01/22 deste jornal sobre os resultados do PISA].
E, no entanto, a Facebook pretende reforçar o seu poder, ao integrar novas formas de extração de dados e manipulação do comportamento dos utilizadores – bastante à semelhança do que sempre fez a Google.
E a humanidade, como tantas vezes perante os charlatões armados de uma promessa de revolução tecnológica, aplaude com deslumbramento, qual coelho a fitar os faróis do automóvel. Afinal, não há alternativa!
As tecnologias que existem hoje são demasiado poderosas para serem deixadas sob o controlo das multinacionais que inventaram o capitalismo de vigilância (termo cunhado pela professora de Harvard Shoshana Zuboff).
Estas práticas são uma ameaça às democracias como as conhecemos e à nossa qualidade de vida.
Haja espírito crítico para refletir sobre o que realmente importa.
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990