Opinião

Pescadinha de rabo na boca

20 jul 2017 00:00

Parece que é desta que a capital do distrito de Leiria vai, por fim, ganhar uma Loja do Cidadão.

Após ter sido anunciada por diversas vezes, quase sempre em períodos pré-eleitorais, será que os protocolos assinados na terça-feira se irão concretizar?

O presidente da Câmara de Leiria, Raul Castro, diz que sim e anunciou um investimento na ordem de um milhão de euros, comparticipado em 300 mil euros, para albergar este e outros serviços e valências no antigo Paço Episcopal de Leiria (edifício da Zara).

Alvaiázere e Pedrógão Grande também assinaram, na terça-feira, protocolos com vista à instalação de Lojas do Cidadão. No primeiro concelho, o espaço funcionará no tribunal, enquanto, no segundo, ficará localizado no edifício das Finanças.

Durante a cerimónia de assinatura do protocolo com a secretária de Estado da Modernização Administrativa, Graça Fonseca, Raul Castro afirmou que a formalização do processo para a instalação da Loja do Cidadão representa “uma batalha que chega ao fim” e “uma conquista para o serviço das populações”.

Porém, a concretização da assinatura da intenção de abertura destas Lojas do Cidadão acontece numa época em que a internet e os sucessivos programas de simplificação e agilização da Administração Pública online quase as torna desnecessárias para boa parte da população.

Mesmo assim, a generalidade dos cidadãos, embora cansados de promessas não concretizadas pelos sucessivos Executivos municipais, estão dispostos a dar o benefício da dúvida e tomar uma atitude semelhante à de São Tomé.

Ver para crer, até porque é óbvio, para muitos, que a criação daquele equipamento pode ajudar a estancar, ainda que temporariamente, o despovoamento do centro histórico da cidade. E isto leva-nos à segunda parte deste Editorial.

A presença de repartições e serviços da Administração Pública, local e central, nos cascos urbanos encaminha pessoas às velhas ruas, é certo, mas não é menos certo que os actos que a isso obrigam são cada vez menos.

O comércio no centro histórico de outras cidades mais dadas ao cosmopolitanismo e com menos shopping centres floresce. Em Leiria e noutras cidades da região, como Alcobaça e Marinha Grande, envelhece, torna-se grisalho, desinteressante, sem sangue na guelra… e fenece.

Desde o início do ano, na rua direita de Leiria, já várias lojas fecharam e os proprietários de outros espaços comerciais não escondem o receio de também serem obrigados a seguir o mesmo caminho.

Mesmo reconhecendo que há cada vez mais imóveis (bem) recuperados, há necessidade de novas centralidades na zona histórica e o assunto deve merecer discussão pública e medidas concretas, para não se ficar apenas por palavras de boas intenções, mesmo que isso afronte algumas mentalidades marcadas por uma visão mais tradicionalista.

Não queremos com isto dizer que Leiria antiga deve ser um circo constante. Há espaço e públicos para a qualidade e originalidade. Há espaço para a arte, para o comércio de excepção, para o teatro, para a cultura, para o convívio entre gerações.

O que não deve existir é espaço para o desinteresse da população presa em filas para o shopping, para a inacção e para a decrepitude de uma das mais nobres zonas de Leiria.

Afinal, onde andam os turistas estrangeiros que visitam os mais recônditos cantos de Portugal e não descobrem o caminho para a cidade do Lis?

Já agora, a Loja do Cidadão precisa de cidadãos que lá tratem dos seus assuntos. Se não forem, estaremos perante a epónima pescadinha de rabo na boca.

*jornalista