Opinião

Porque é que a minha geração é melhor do que a tua?

20 jun 2022 09:52

A curiosidade é o maior e mais importante motor do saber.

Recentemente, uma memória do Facebook relembrou-me o incrível Stephen Jay Gould e o seu papel fundamental como divulgador da Ciência. Os dois livros mais famosos que ele escreveu são provavelmente O Polegar do Panda e o Sorriso do Flamingo, contudo, os meus preferidos são a Montanha de Bivalves de Leonardo e acima de tudo a Falsa Medida do Homem. Esta obra é um ensaio que nos ajuda a perceber de forma inequívoca a estupidez subjacente ao racismo e à forma como os povos criavam falsas teorias científicas, como é o caso da frenologia, para justificar a subjugação de outros povos… infelizmente, a eugenia não é uma invenção do Holocausto Nazi.

Nessa memória escrevi também que «Como professor, gostaria que as obras a estudo nos liceus e universidades fossem geradoras de debate e reflexão e não de um pensamento monocórdico e formatado que serve o interesse de uma parte e não do todo. O sucesso no estudo prende-se com repetição de processos num hino à hipnose académica e os alunos são classificados em escalas de desempenho que pouco têm que ver as capacidades de cada um… Uma estrutura meramente economicista para a educação é francamente castradora (aquilo que Bolsonaro fez…). Durante a evolução cognitiva, o útil e o belo devem
de andar de mãos dadas, a liberdade de pensamento promovida e as capacidades de questionar e de fazer acicatadas…»

Pensei escrever um texto sobre este senhor e a importância da literacia científica, basicamente desenvolver estas duas ideias. Mas, no meio do processo, sucumbi aos encantos da pandemia e tive de ficar uma semana enfiado em casa. Apesar de não conseguir escrever, divaguei sobre esta ideia, mas num prisma completamente diferente que passo a explicar.

Nós, adultos – pais, professores, educadores – temos uma certa condescendência quando o assunto são as aprendizagens dos nossos filhos, alunos, etc… Contudo, há quanto tempo não nos colocamos em causa? Há quanto tempo não refletimos sobre as nossas aprendizagens e acabamos por nos colocar na posição de que antigamente é que era bom? Antigamente é que era bom? A Escola antigamente é que era! Que utensílios, estratégias é que a escola nos deu? Sabemos escrever, alguma matemática, deu-nos alguma cultura geral: aprendemos que os egípcios vieram antes dos romanos, e coisas semelhantes. (Evidentemente, além disto, deu-nos muitos conhecimentos que nos permitem exercer a nossa profissão. )

A minha dúvida sobre a eficácia dos mecanismos que a escola do nosso tempo criou mantém-se, de modo a nos sentirmos incompletos com uma capacidade de nos questionarmos, de querermos evoluir, de querermos melhorar. Será que estamos verdadeiramente preparados para entender um mundo em evolução, uma sociedade em mudança e miúdos que nasceram e cresceram num caldo muito diferente do nosso? Sinto mesmo que antigamente não era assim tão bom, que existem muitas lacunas na forma como fomos acicatados para o conhecimento. Há uma certa indolência e passividade global na nossa geração, os nossos pais não tiveram acesso ao que nós temos, no entanto, acho que não fazemos muito melhor: gastamos o nosso tempo entre séries e redes sociais, e está tudo certo! O que me faz confusão é o nosso paternalismo sobre as novas gerações, sobre o que os miúdos sabem e aquilo que eles querem ou mesmo sobre o que eles sabem fazer.

A minha ideia sobre a literacia científica parece-me um pouco simplista neste momento. Obviamente que a leitura deve de ser promovida, bem como a busca do conhecimento. Mas a escola precisa mesmo de mudar, precisa de ter uma resposta diferente para esta geração. O mundo digital é um apelo fortíssimo e a escola como garante do conhecimento tem de ser também um garante da construção e manutenção da curiosidade. A curiosidade é o maior e mais importante motor do saber. Os miúdos nascem com esse motor a bombar a um nível inacreditável. As crianças querem saber tudo: porque chove? O que é o arco- íris? Donde vêm os bebés?… e por aí a fora! No entanto, a sociedade, a escola, o mundo em geral destroem esse motor, essa vontade de saber. Acho que deveria haver uma reflexão concertada para criar mecanismos para que essa curiosidade se mantenha pela vida fora. Para criar adultos melhores do que nós. Uma sociedade mais curiosa, mais ciente das suas fragilidades será uma sociedade mais capaz. Existe uma tendência natural para mimetizar parte da educação que nos foi transmitida: é importante que não nos esqueçamos de que, quando educamos os nossos filhos, estamos também a educar os educadores dos nossos netos.