Opinião
Professores: não percam tempo!
No fim de 40 anos de serviço, como docente, dou por mim a lamentar tantos dias perdidos a escrever, planeando, programando, avaliando, justificando
Por estes dias dei despacho a caixotes de papelada, acumulados por mim e pela minha mulher ao longo de 40 anos, no nosso percurso de professores de História. Fiquei abismado e perplexo. Por tanta “papelada” lida e produzida, incluindo as dos Ministérios (leis, orientações curriculares e pedagógicas, esclarecimentos, guias, normativos), a papelada de centenas de estudos sobre práticas pedagógicas, orientações curriculares, planos, currículos, testes, material de apoio, normas para avaliação, relatórios de alunos, atas, justificações, planos de recuperação, medidas de apoio, cadernetas de alunos, material de apoio às aulas, sínteses para exames, exercícios de apoio…
No fim de 40 anos de serviço, como docente, dou por mim a lamentar tantos dias perdidos a escrever, planeando, programando, avaliando, justificando. Dou conta que desperdicei grande parte do tempo da minha vida em tarefas inúteis e inconsequentes. Senti que dei ao desbarato alguns milhares de horas da minha vida de volta da “papelada”, desnecessariamente.
Dei por mim desiludido pelo tempo perdido em tanta burocracia educativa e pedagógica. Uma imposta, outra criada. E depois os manuais. Guardei os anteriores aos anos 80 e lancei na reciclagem todos os posteriores. Centenas de manuais, de várias editoras, profusamente ilustrados, numa confusão de imagens e textos, acompanhados de centenas de cadernos de apoio para alunos e professores. Cheios de questões, com propostas de exercícios, grafismos saturantes, cadernos com fichas de actividades, com fichas de remediação, com sugestões de leitura, com links para sites, com CDs e DVDs, PowerPoints, vídeos de apoio e de consolidação de aprendizagens…
E depois comparei com os manuais de há 40 anos e mesmo os anteriores, ainda do Estado Novo. Pedagógica e didaticamente eficazes. As sínteses essenciais, os documentos essenciais, sem imagens desnecessárias, sem grafismo feérico e distractivo. E, dando o desconto aos manuais do Antigo Regime claramente politizados, dei por mim um retrógrado! Vejam lá: a apreciar a capacidade de síntese desses manuais, nas matérias e nos conteúdos aí expressos, bem como a apreciar as bem estruturadas questões essenciais de aprendizagem.
Dei por mim um retrógrado a desejar voltar à singeleza dos métodos pedagógicos e à didática sóbria e eficaz. Ensinar o que deve ser ensinado, sem ruído, sem perturbação, sem excesso de multimédia, sem excesso de conteúdos.
Dei por mim a desejar a exigência do esforço da memorização, para que os alunos até à 4ª classe, possam saber, por exemplo, a sucessão de reis portugueses, as dinastias e os períodos históricos, de trás para a frente.
Dei por mim a desejar que a História possa preparar bem os alunos, nem que para isso se admita que há necessidade de corrigir as práticas pedagógicas, depurar os programas e dar sobriedade aos manuais, exigir memorizar e exigir trabalho.
Dei por mim a desejar que os professores tenham tempo de ensinar.