Editorial

Quando ajudar é uma missão

23 out 2025 08:01

Num mundo ideal, ninguém precisaria partir para longe com um mala de medicamentos, com um estetoscópio ou com ferramentas para reconstruir uma escola

As missões humanitárias são como um gesto de socorro em lugares onde falta quase tudo, mas onde, paradoxalmente, se encontram algumas das características mais nobres da Humanidade: a solidariedade e a compaixão. Num mundo ideal, ninguém precisaria partir para longe com um mala de medicamentos, com um estetoscópio ou com ferramentas para reconstruir uma escola. Num mundo ideal, todos tinham acesso a cuidados de saúde, alimentos, habitação e dignidade. Mas no mundo real, são os homens e mulheres que se disponibilizam para ajudar quem pouco ou nada tem que continuam a fazer a diferença, como se pode testemunhar no trabalho de abertura deste jornal.

Em cada partida, eles e elas transportam o alívio da acção. Médicos como Manuel Antunes ou Helena Vasconcelos, que deixam o conforto das suas rotinas clínicas para atravessar fronteiras e salvar vidas em Moçambique ou Angola, carregam mais do que bisturis e seringas. Levam com eles a experiência, a vontade de curar, ajudar e ensinar. Espalham sementes de esperança.

O retorno é incomensurável. O reconhecimento de que cada gesto, por pequeno que seja, tem um peso desmesurado em territórios onde o tempo se mede pela sobrevivência. O professor Artur Gomes, que viu alunos caminharem quilómetros descalços para aprender, descobriu que ensinar é também um acto de fé. E Rosa Silva, que chorou e riu entre as crianças de São Tomé e Príncipe, regressou a dizer que passou “a melhor semana” da sua vida. É que quem ajuda volta sempre transformado, com o coração cheio mas a alma inquieta, porque depois de ver e sentir, já não se pode fingir que não se sabe.

Há, no entanto, uma mágoa de fundo em tudo isto que não se pode ignorar. Porque estas missões são um paliativo numa ferida que não devia existir. Cada hospital improvisado, cada aldeia sem nome, cada criança que não chega a ser registada porque talvez não sobreviva, revelam o quanto estamos ainda a falhar para garantir o básico.

O ideal seria que a solidariedade não precisasse de partir em missão. Mas isso era num mundo ideal.