Opinião

Quando foi que nos esquecemos de onde viemos?

2 jun 2022 15:45

A solidariedade das comunidades desapareceu, a solidão entranhou-se nas famílias

Desde o êxodo rural em massa que se vive pior.

Quando as grandes comunidades familiares se desagregaram, com núcleos reduzidos a pai, mãe e filhos, educar crianças, viver e tomar conta de séniores tornou-se uma tarefa hercúlea.

Nas grandes famílias de antigamente, as crianças tinham uma rede de suporte alargada, as aprendizagens de como ser pai e mãe faziam-se por imitação, pequenas grandes rotinas na educação eram passadas de geração em geração e não se panicava à primeira febrícula de uma criança.

Os velhos envelheciam dentro da família, havia um tempo humano de se ter tempo, sabia-se o tempo que frutas e legumes demoravam a amadurecer, via-se o tempo passar pelas rugas dos avós, pelos hábitos e memórias, pelas décadas em que uma árvore se tornava adulta.

Agora, enjauladas entre quatro paredes citadinas, as pequenas famílias de hoje estão entregues a si próprias.

Do júbilo da independência recém-conquistada, muitos jovens casais encontram-se, às primeiras dificuldades, entregues a si próprios, sem o conforto e segurança que a experiência dos mais velhos pode proporcionar.

Corre-se então para o médico de família ao primeiro sinal de febre infantil, a vida desorganiza-se com uma criança doente em casa – não há ninguém com quem ficar – e os mais velhos tornam-se o grande estorvo a quem é preciso acudir - queda após queda - até à ida final para um lar, difícil de encontrar e caro, onde estranhos ocupam o lugar da família ausente.

Parece que o “progresso” se tornou profundamente antinatural. Vivemos afastados dos “nossos”, reféns da vida moderna, profundamente desabitada dos outros.

Os vizinhos são estranhos, a cidade tem uma teia de viúvas solitárias, a sociedade organiza-se em ATL´s para os mais pequenos e instituições que levam comida a casa e cuidam da higiene dos mais velhos.

Somos mais felizes assim?Acredito profundamente que não.

A solidariedade das comunidades desapareceu, a solidão entranhou-se nas famílias, a vida de relação com os outros quedou-se pelos mínimos olímpicos.

Este profundo mal-estar social é insinuante, discreto. Crescemos com ele e dificilmente recuamos o suficiente para ver a vida de hoje como ela realmente é.

Ganhámos muito: mais conforto material, mais independência, mais direitos.

Mas a pergunta insiste em atormentar-nos: se ganhámos tanto, porque não somos proporcionalmente mais felizes?

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