Opinião

Que Estrela procuramos?

22 dez 2016 00:00

A cereja em cima do bolo é o número de estrelas Michelin que sobe em flecha na restauração portuguesa, com grande fanfarra e cobertura televisiva e jornalística.

Meu Caro Zé,

No nosso jornal chamou-me a atenção uma notícia sobre o aumento da sofisticação em qualidade e em quantidade da restauração em Leiria, ao mesmo tempo que se lia que os portugueses são dos povos que mais vão a restaurantes.

Não é de espantar, em princípio, pois para nós, portugueses, um bom convívio pressupõe, quase sempre, uma refeição. A cereja em cima do bolo é o número de estrelas Michelin que sobe em flecha na restauração portuguesa, com grande fanfarra e cobertura televisiva e jornalística.

Mas, por falar de estrelas, estamos numa época em que há outra Estrela que não sei se se daria bem com as estrelinhas Michelin. Pergunto-me quem são esses portugueses que vão ou podem frequentar esse tipo de restauração mais sofisticada? E se esse grupo não se alimenta em círculo quase fechado, vivendo num universo alienado do conjunto dos portugueses que, todos eles, também gostam de bem comer, mas, grande parte, em vez de restaurante, leva a “marmita”. E mesmo assim...

Essa alienação lembra-me Bernardo Soares (Fernando Pessoa) no seu “Livro do Desassossego” quando escreve “... uma rua deserta não é uma rua onde não passa ninguém, mas uma rua onde os que passam, passam nela como se fosse deserta.” E o meu receio crescente é que essa rua que parece deserta esteja, cada vez mais, em Portugal e no mundo, cheio de “marmitas”, umas com pouca comida, outras à espera de uma “moedinha”, enquanto as estrelas Michelin por ela passam como se fosse deserta.

A outra Estrela está lá por certo, mas é invisível aos que passam. Neste ponto vem-me à mente o segundo versículo do Eclesiastes: “Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade”.

*Professor universitário

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