Opinião
Se calhar é mesmo espectacular
Ao deus Dará
Contrariando as minhas tias que, por eu ser alto, me perguntavam como é que ia o basquete, joguei andebol durante muitos anos. De criança a adulto, assumo agora com orgulho, pertenci a uma casta considerável de Leirienses, a malta do andebol. Para vos contextualizar deixo-vos aqui a definição que tem tanto de oficial como de caseira: a malta do andebol era a malta que passava horas e horas no entretanto extinto pavilhão municipal, que andava muito de fato de treino, que tinha um humor e uma linguagem própria, que gritava com os árbitros e que fazia de árbitro quando eles não vinham, que se encharcava em pomadas analgésicas de mentol agressivo, que ficava (e ainda fica) um pouco arreliada quando os comentadores televisivos, de uma forma condescendente, explicavam exageradamente as regras de uma modalidade que tão bem conhecíamos, e que, na escola, quando chegava o capitulo do andebol, ia à baliza para não se passar demasiado com a aselhice para a modalidade dos colegas de turma.
Foram tempos incríveis, que agora valorizo muito mais do que na altura. Como quaisquer outros tempos incríveis dignos de registo. Naquela altura, por estranho que pareça agora, pertencer a um clube era gratuito e os equipamentos e os transportes, também. As coisas não eram muito bem organizadas mas aconteciam e aconteciam para todos. Os pais não iam ver treinos, não iam ver (todos) os jogos, não havia cintos de segurança nas carrinhas, às vezes não havia bolas, os equipamentos desbotavam e rasgavam de tanto uso, os apoiantes de uma equipa sentavam-se de um lado do pavilhão e os da JUVE do outro, os banhos eram de água fria e havia uma grande probabilidade de levarmos com umas escarretas no pavilhão da Nazaré, mesmo sendo só iniciados.
Devo imenso ao andebol, talvez deva, inclusivamente, o facto de estar vivo. Por o praticar, foi-me descoberto um defeito de fabrico que a tempo e horas, com a mestria do SNS, foi resolvido. Foi no andebol que saquei a mulher da minha vida, mãe dos meus filhos. E desses anos ainda guardo uma equipa, ou duas, de amigos para a sempre. E, agora que me meto a pensar nisso, acreditem, tenho aqui histórias das boas, para meia dúzia de jantaradas daquelas do apelo à saudade. Presumo que todos os que praticaram um desporto, principalmente colectivo, as tenham. E isso é lindo.
Este fim de semana, devido a este flagelo que é a paternidade moderna, dei comigo novamente num pavilhão a um domingo de manhã. Dizem que era um FestAnd. Em Santa Catarina da Serra. Curiosamente, ainda andam por lá uns quantos da minha época, com os filhos, na organização, como dirigentes ou como treinadores. Valentes! Vénia a este tipo de amor a uma causa.
Eu, mesmo com as minhas pontadas de agorafobia, ao ver umas boas dezenas de miúdos, entre os quais um que é meu, a rirem, a transpirarem, a mandarem-se para o chão para ganhar uma bola, a festejarem os golos, longe da Covid, dos tablets, a construírem amizades e histórias para contar e a divertirem-se à grande, meti-me a pensar no slogan que se usava no meu tempo e disse para dentro "Epá! se calhar o andebol é mesmo espectacular!"
Mais um bocadinho e estava dentro de um equipamento resmenga, numa roda com mais uns quantos vindos de todos os estratos sociais, pronto para gritar: Oh! Micas que horas são?!!! Sete e picos, oito e coiso, nove e tal! CAL, CAL, CAL!