Opinião

Solos, água q.b. e urbanização

7 jan 2023 10:09

Insistimos em ocupar com construção as áreas mais valiosas em termos agrícolas, pensando muitas vezes que, aplicando engenharia, se pode mitigar e resolver a questão

Durante o mês de Dezembro, comemorou-se o Dia Internacional dos Solos, efeméride que passou ao lado da esmagadora maioria dos portugueses. Nesse mesmo mês aconteceu algo que, diria, a totalidade dos portugueses viu nas televisões, ou seja cheias e inundações cujas consequências foram nefastas para milhares de pessoas. Casas inundadas, lojas cujo recheio se perdeu total ou parcialmente, dezenas de milhões de prejuízos.

As causas são conhecidas, ou seja a ocupação de áreas ribeirinhas, que deveriam estar livres de construção, solos que não deveriam estar impermeabilizados. É um tema que, mesmo em geografia, não tem o devido espaço de debate; a ocupação do solo e, mais concretamente, a ocupação de solos agrícolas.

Perdem os ecossistemas, perde a nossa segurança alimentar. Continuamos a insistir em construir onde não devemos e a destruir solos essenciais para a nossa soberania alimentar, já que o solo não é um recurso renovável à escala humana.

Nos primórdios das várias sociedades, cada comunidade instalava-se à beira de um rio, onde os solos eram bons para garantir a sustentabilidade alimentar. Os séculos passaram e não aprendemos muito, já que genericamente falando, o paradigma mudou, e muito.

Insistimos em ocupar com construção as áreas mais valiosas em termos agrícolas, pensando muitas vezes que, aplicando engenharia, se pode mitigar e resolver a questão. Tal como todos os anos fica à vista, não mitiga nem resolve, sendo um mero penso para aplicar na hora. O planeamento e a gestão do território são domínios que não interessam à generalidade da população portuguesa e não só.

A mesma população que se senta no sofá centenas de horas à frente de uma televisão, para ver conteúdos televisivos aos quais eu resumo como lixo televisivo, não investe umas dezenas de horas por ano a inteirar-se destas questões, a participar nos processos de discussão pública de Planos Directores Municipais e afins. E depois queixam-se.

Infelizmente não temos uma cultura de ordenamento do território nem de participação pública. E isso paga-se caro, ano após ano. Dando um exemplo concreto, há poucos anos e na revisão do PDM de Ansião, fui o único cidadão que, na discussão pública, não pediu para reclassificar terrenos para construir.

Das escassas menos de 100 participações, fui o único que, de facto, se preocupou com o ordenamento do território, apontando falhas e fazendo propostas para que o PDM não seja mais do que uma mera ferramenta de urbanização dos territórios e se assuma, de uma vez por todas, como uma ferramenta de planeamento e gestão territorial.

E nesta temática a boa gestão dos solos tem uma série de valores associados, desde a importância ambiental até à importância económica e social. Claro que, para reverter tudo isto, é preciso uma cultura de conhecimento por parte de cada um de nós, cidadãos, desta temática afinal tão abrangente e interligada. Pequenos artigos de opinião como este são como gotas, mas afinal, e como se costuma dizer, os copos enchem-se gota após gota.