Editorial
Triste realidade
Ouve-se uma menina em pranto, acocorada num abrigo subterrâneo, a pedir para não morrer
Faz esta quinta-feira uma semana que o Mundo quase esqueceu a pandemia. O motivo tem muitas interpretações, mas resume-se a um facto: a Rússia declarou guerra à Ucrânia.
As imagens de explosões, de mísseis a entranhar-se em edifícios públicos e blocos de apartamentos, de viaturas militares destruídas, helicópteros abatidos, invadem, por estes dias, o espaço mediático.
Seguem-se os discursos políticos, as sanções económicas, o braço-de-ferro diplomático. Mas as bombas continuam a cair.
Desferem um duro golpe político no bloco europeu, mas deixam também um rasto de destruição e morte. Nos chamados danos colaterais, contam-se já algumas centenas de mortes entre civis, um incontável número de feridos e uma imensidão de pessoas em fuga.
Mães e filhos, porque os homens entre os 18 e os 60 anos ficam no país a defender a soberania da sua nação.
Depois de uma estimativa inicial de cinco milhões, a Organização das Nações Unidas (ONU) actualizou para sete milhões o número de migrantes provocado por esta nova guerra.
Depois de dois anos a restringir as viagens, a Europa vê-se abruptamente obrigada a inverter o ciclo. As fronteiras a Leste enchem-se de comboios, carros e autocarros, lotados de pessoas que deixaram toda uma vida para trás.
Do lado de cá do conflito, multiplicam-se os testemunhos emocionados, patrióticos, atarantados, alienados, as palavras e sorrisos inocentes de crianças.
Sobressaem as evidências de famílias desfeitas, por tempo indeterminado. Surgem pais a despedir-se dos filhos, sem saberem se os voltam a ver, ouve-se uma menina em pranto, acocorada num abrigo subterrâneo, a pedir para não morrer.
Parece cruel de mais para ser verdade, mas é uma realidade. Uma triste realidade.
A esperança depende agora do jogo de forças entre o poderio bélico e as sanções económicas, e da capacidade de mobilização humanitária, para minimizar o sofrimento das vítimas.
No País e na nossa região, são claros os sinais de apoio aos ucranianos em dificuldade. Crescem as acções de recolha de bens, alastram-se as correntes solidárias para criar pontes com as fronteiras de Leste.
É impressionante a mobilização nas manifestações de apelo à paz, chegam a ser comoventes algumas acções de auxílio ao povo ucraniano.
Um movimento solidário que não tem apenas que ver com o nosso sentido humanista, mas que nos ‘fala’ também de integração social e cultural.
A comunidade ucraniana, uma das mais numerosas em território nacional, conseguiu conquistar o carinho e o respeito dos portugueses, porque ela própria sempre foi respeitadora e, sobretudo, porque sempre se expressou grata pelo acolhimento que encontrou em Portugal.
E é este gesto mútuo de gratidão que ainda nos faz acreditar no futuro da Humanidade.