Opinião
Um filme
A literatura sobre o passado recente de Leiria é pobre e assenta excessivamente em memórias individuais de factos e histórias
O livro que Adélio Amaro escreveu e o Teatro José Lúcio da Silva acaba de editar, Teatro José Lúcio da Silva: Contributos para a sua História (1951-1967), é a vários títulos uma obra notável, um contributo de grande importância para a história contemporânea da Cidade de Leiria centrado na sua “vida cultural” mas muito para além do objecto de estudo propriamente dito, o Teatro oferecido à Cidade pelo industrial que lhe dá nome e o fez construir e pela família Marques da Cruz que lhe deu o chão onde se ergueu.
A história pormenorizada do atribulado processo da construção do Teatro é um trabalho gigantesco de pesquisa e análise que merece, por si só digamos assim, toda a nossa atenção. É uma história exemplar dos meandros dos pequenos e grandes poderes autárquicos em pleno Estado Novo, uma história de indignidades, trapalhices, aldrabices, mentiras, indiferenças múltiplas onde emerge uma pequena cidade, provinciana em todo o seu esplendor, reacionária, atrasada, antiquada, pobre e inculta onde sobreviviam a custo alguns Homens e Mulheres muito dignos desse nome.
Não era, claramente já não era, a tristíssima Leiria do retrato de Eça esboçado n’O Crime do Padre Amaro mas estava bem mais próxima dela do que distante da Cidade de hoje, e a distância é, nem é preciso dizer, incomensurável. As Cidades são corpos vivos que são sempre inteligentes quando se pensam e por isso evoluem e se transformam para melhor. Às vezes pensam-se é pouco.
A literatura sobre o passado recente de Leiria é pobre e assenta excessivamente em memórias individuais de factos e histórias. Nada nem ninguém lhes retira importância. Mas, este livro é outra coisa. Uma colecção enorme de documentos vão-se compondo de modo a podermos pintar, e naturalmente cada um de nós pintará o seu, um fresco vivo e transparente da Cidade nos anos 50 e 60 do século passado.
É um filme onde outros valorizarão o bom e bem viver num exercício natural de regresso ao que foram perdendo. Mesmo que os factos inexoravelmente iluminem. Leiam-no.