Entrevista

Álvaro Beleza: “Portugal está na moda e é um porto de abrigo”

4 mai 2023 17:21

O médico e presidente da SEDES vai estar em Leiria, na Nerlei, no dia 11, para apresentar as medidas da associação para o futuro do País. Preconiza mudanças no sistema eleitoral, na Justiça, na economia “iliberal” e menos impostos, para captar capital estrangeiro

Álvaro Beleza, presidente da SEDES
Fotografia: SEDES
Jacinto Silva Duro

A 11 de Maio, estará em Leiria, na sede da Nerlei para, num evento com o apoio do JORNAL DE LEIRIA, falar sobre Como Duplicar o PIB em 20 Anos – Visão Estratégica para a Década, que é também o título de um livro da SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social. É verdade que, em Portugal, “tudo está estudado e há planos para tudo”?
Não há planos para tudo e esse é o problema português. Escrevemos o livro, porque não há planos estratégicos. Os fundadores da SEDES, entre eles João Salgueiro, é que trabalharam, ainda antes do 25 de Abril, no Ministério do Plano e Finanças, na criação das regiões e das CCDR, das barragens construídas nos últimos 50 ou 60 anos, dos aeroportos - na época já se falava de um aeroporto no Montijo, praticamente decidido -, e na regionalização do País. Desde daí, andamos com uma visão de curto prazo.

De quatro anos?
Deixou de haver uma visão de mé- dio/longo prazo. Foi por isso que escrevemos este livro e vamos continuar a escrevê-lo, pois teremos um segundo volume, onde apontamos estratégias para os dois principais partidos, PS e PSD. Não se consegue ter reformas estruturais e visão estratégica a 50 anos, sem entendimentos entre os dois principais partidos que governam. Em Portugal, os Governos são do PS e do PSD há 50 anos e vão continuar a sê-lo nos próximos 50...

O que lhe dá essa certeza?
Os portugueses são muito conservadores. Se olharmos para as sondagens e para os resultados eleitorais, quase nada mudou desde as primeiras eleições após o 25 de Abril. Está tudo igual, ao contrário da Europa. O único país semelhante a nós é a Inglaterra, que tem um sistema parlamentar há 500 anos. Portugal é um caso de estudo, mesmo quando se fala de populismo e do partido Chega… O Chega nunca será Governo. Os portugueses são moderados! Ainda por cima, os dois principais partidos portugueses têm poucas diferenças entre si. São ambos sociais-democratas, pois, na sua base, estão o centro-esquerda e o centro-direita. O nosso problema tem sido uma visão da governação a curto prazo. Os políticos têm dificuldade em pôr em prática estratégias de médio-longo prazo. Quando se faz e aplica um plano estratégico, nem sempre se é popular. Para o bem do País, é preciso pensar-se com um horizonte de décadas, para os nossos filhos e para os nossos netos. E é preciso que os políticos tenham a coragem de dizer algumas verdades que as pessoas não querem ouvir.

Tais como?
Por exemplo, a Educação. É preciso dar autonomia às escolas. Temos de acabar com o sistema soviético de contratação de professores que temos. É completamente centralizado e tem de ser descentralizado para as escolas terem autonomia para a contratação dos docentes e flexibilidade curricular em algumas áreas. Do mesmo modo que se diz que, na Saúde, se quer autonomia para os hospitais, para as escolas tem de haver autonomia. Porém, como a SEDES defende, não estamos a dizer que entregaremos o poder das escolas às autarquias, mas dar autonomia às direcções das escolas, a quem gere as escolas públicas. O Governo central, através do Ministério da Educação, deve ter um papel fundamental na regulação, nos exames, nos currículos, nas auditorias de qualidade... Os professores são mal pagos, no entanto, tem de haver um contrato que garanta uma carreira e que garanta o progresso nela, mas tem de haver avaliação. Fiz quatro exames públicos para chegar ao topo da carreira e ser chefe de serviço. Tive de fazer internato de seis anos com um exame, de dois dias, no fim. Depois, para ser assistente hospitalar, após cinco anos de ser especialista, fiz outro exame de dois dias, com júri composto por cinco colegas de todo o País. Fiz eu e faz qualquer médico que tenha carreira. Temos de ter ascensão nas carreiras, mas com avaliações! Isto não é simpático de dizer aos professores, mas tem-se de dizer tudo. Portugal é o País mais centralizado na Educação, na Europa. Aliás, é o segundo. O mais centralizado é o Luxemburgo, mas esse é um país com sensivelmente o tamanho do distrito de Leiria. Grande parte das decisões deve ser tomada a nível local, pois, uma escola em Miranda do Douro não é igual a outra em Faro. Por outro lado, os professores não podem andar a saltar de escola em escola e a fazer milhares de quilómetros. Temos de mudar para um sistema que já tenha dado provas noutro país e não para agradar a sindicatos ou ao telejornal!

São reformas difíceis...
Por isso é que têm de ser feitas com um Governo de grande coligação, entre o PS e o PSD. Se não houver um, pelo menos que haja um entendimento entre os dois. Mas o melhor entendimento é um Governo. A Alemanha conseguiu, no princípio do século, fazer reformas estruturais com um Governo da CDU (democratas-cristãos) e do SPD (sociais-democratas) e Portugal dá-se ao luxo de não o fazer porquê? Ainda por cima o PS e o PSD são mais próximos do que os partidos alemães! O SPD tem uma história à esquerda do PS português e a CDU alemã e a CSU da Baviera são mais à direita do que o PSD. Mesmo assim, entenderam- -se e governaram juntos! Nós não. Porquê? Porque somos ricos? É ridículo. Tem de haver sentido de Estado e pensar primeiro no País.

Quais são as reformas mais urgentes?
Penso que são três. Portugal precisa de uma reforma eleitoral, para aproximar os eleitos dos cidadãos. Precisamos de círculos uninominais. Quase todas as democracias sólidas os têm. Da mesma maneira que se vota num presidente de câmara. As eleições mais participadas são as autárquicas porque o cidadão escolhe alguém que conhece. Defendemos um sistema misto à alemã... mas já estou como quando se queria construir o Alqueva: “fa- çam qualquer coisa!” Os deputados não são verdadeiramente escolhidos pelos eleitores. Nós queremos que as pessoas possam escolher o seu deputado e que não seja o líder nacional com o chefe distrital do partido a escolherem as listas. É assim nas democracias mais consolidadas. Segunda reforma: em Portugal, a Justiça está quase ao nível do século XIX. Temos de acelerar a reforma, tornar a Justiça mais célere, inspirada no sistema holandês ou no inglês, mais práticos, simples e que os cidadãos entendem. Enquanto na Saúde, sendo pobre ou rico, se alguém precisar de um transplante de coração, terá acesso gratuito ao melhor cirurgião cardíaco no São João, no Porto, no Santa Maria, em Lisboa, ou em Coimbra, se se tiver um problema legal, não há direito aos melhores advogados sem gastar muito dinheiro e, portanto, há muita injustiça no nosso sistema de Justiça.

E que mais reformas?
Tem que ver com aquilo que vou fazer no dia 11. Leiria é dos distritos com mais pujança económica a nível nacional. É muito jovem, com muitos empreendedores, com muitas empresas, com um tecido económico forte. Precisamos, no resto de Portugal de perceber, de vez, que não se consegue ter melhor Saúde, melhor Educação ou serviços públicos e melhores salários sem mais economia e mais PIB. Se não houver riqueza, não há como a distribuir. Além disso, para ter riqueza, é preciso economia de mercado. Não serão o socialismo e o marxismo e o Estado que a vão dar. Todos os países que conseguiram crescimento económico, não foi graças ao dirigismo do Estado! A China de Mao Tsé-Tung não conseguiu, mas Deng Xiaoping percebeu nos anos 80. A China tirou da pobreza centenas de milhões de pessoas com um capitalismo ultraliberal, puro e duro, quase escravatura do operariado. Onde quero chegar? Só se consegue ter crescimento económico com economia de mercado, com propriedade privada e, com a vantagem europeia e portuguesa, que é a social-democracia, que nos dá um Estado que protege quem não tem possibilidades, garantindo a todos Saúde de qualidade, Segurança Social ou escola pública. Falta o Serviço Nacional de Justiça. Precisamos de meter na cabeça dos jovens que a missão de vida não deve ser ser-se funcionário público, mas empresário, se possível, de sucesso. São precisas metas que ajudam ao crescimento económico.

Que metas são essas?
Escala, por exemplo. Temos um País cuja economia é como a de Marrocos e do Paquistão, baseada em PME e micro-empresas. Precisamos de grandes empresas, mas não as há em Portugal. Mesmo os “grandes” grupos económicos são pequeninos à escala global. Temos de nos comparar com países da nossa dimensão, têm grandes empresas e marcas. Temos zero marcas mundiais. Um exemplo é a Suécia, onde há a Volvo e a Ikea. Bastava termos uma Ikea e teríamos mais 50% de PIB. Ou a Holanda, com a Philips e a Shell. A Suíça tem a Nestlé, tem a indústria farmacêutica, tem os relógios. Todas as grandes economias têm grandes marcas. O último investimento interessante e estratégico em Portugal, a longo prazo, foi a Autoeuropa, mas tivemos azar. Veio para cá a Volkswagen, a marca alemã mais barata e a Mercedes escolheu Vitória, no País Basco, para se instalar. Precisamos de indústria automóvel e precisamos de indústria aeronáutica - este acordo com a brasileira Embraer, que o Lula assinou, é muito importante. A Espanha desenvolveu-se industrialmente nos anos 70, por causa da Seat, que levou a Fiat para Barcelona e transformou-a numa marca espanhola. Hoje, é uma das grandes indústrias automóveis mundiais. Precisamos ainda de indústria naval - com a história que temos, poderíamos ser um grande player -, pois há cada vez mais navios, de cruzeiro e transporte. Precisamos de escala e de ajudar as empresas portuguesas a fundirem-se. Somos o País da quinta e do muro, onde todos acham que são ricos por terem uma pequena empresa e um carro de alta cilindrada à porta. Necessitamos de políticas públicas que ajudem a fundir empresas e a criar grandes grupos. Por último, é uma coisa que começa a dar resultados e que o próprio ministro das Finanças já refere, que é diminuir a carga fiscal. Não temos capital e para atrair capital estrangeiro, temos de ser um País de baixa carga fiscal. Hoje, somos dos que têm maior carga. Falo do IRC para as empresas e do IRS. No dia em que tivermos uma empresa holandesa a vir para Portugal, por causa do IRC, ganhámos a aposta. A competitividade fiscal é possível porque o País tem boas contas e o Governo está a fazer muito bem essa parte, com muita prudência, a diminuir o défice e a dívida. Deveríamos aproveitar este balanço para diminuir a carga fiscal às empresas e às pessoas. E não é só diminuir o IRS aos que ganham menos, é para todos e para os que vierem. Temos de atrair quadros que ganhem mais e que venham para cá trabalhar. Para virem, o IRS, no topo da tabela, não pode ser de 50%. Temos de competir com o IRS da Suécia, da Dinamarca, da Holanda e da Irlanda. Tem de se dar o sinal de que haverá uma diminuição gradual da carga fiscal. Isto criará um problema ao PSD e à IL, que ficarão sem argumentos nas eleições. Este é o PS que sempre pedi: um “partido socialista liberal”. Isto é, social para defender o Estado Social, entendendo que todos somos iguais e que aqueles que não conseguem singrar na vida, tenham, ainda assim, acesso à habitação, à Saúde e Educação, sem deixar ninguém para trás. E, ao mesmo tempo, liberal nos costumes, como o PS é e tem conseguido através de reformas estruturais e que culmina, agora, no direito à eutanásia. E ainda temos de ser liberais na economia. Somos muito iliberais, desde o doutor Salazar. Gostamos do Estado em tudo. O doutor Salazar e o PCP, nesse aspecto, são muito parecidos. Para se liberalizar o País economicamente, é precisa pedagogia. A SEDES está a organizar uma academia e iremos andar pelos liceus nacionais a dar aulas de democracia e empreendedorismo, com o Presidente da República e líderes políticos. É preciso mudar o chip do assistencialismo português para o empreendedorismo, para o risco, para não haver medo desse risco e para haver ambição.

Atractividade
“Temos de deixar de ser invejosos!”

O médico socialista e presidente da SEDES Álvaro Beleza diz que os americanos, finalmente, descobriram Portugal e que, isso, se deve aos voos da TAP para várias cidades americanas. E se os americanos adoram Portugal, também as suas empresas e investimentos adoram. Um CEO de uma grande empresa americana, certamente, preferiria viver na Ericeira, Algarve ou Estoril do que no meio de um pasto irlandês a apanhar chuva! Portugal, hoje, está na moda e é um porto de abrigo sempre que há uma guerra no centro da Europa. O turismo que ia para a Rússia e para o Leste veio para cá. O norte da Europa olha para baixo e, em vez de virar para a esquerda, vira para a direita, para Portugal e Espanha.” Álvaro Beleza conclui: “Temos de ser autoconfiantes. Nós, os portugueses somos bons em muita coisa, mas sempre fomos muito da inveja dos outros. Temos de deixar crescer, deixar voar e deixar de ser invejosos!”