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Ansião, Pombal e Figueiró dos Vinhos chamam turistas com rota de escultura
Oito esculturas de artistas portugueses e estrangeiros no projecto de programação em rede que une os três municípios
Joana Alves chama-lhe Simão. É um menino em pedra, de calções e tronco nu, com quase dois metros e meio de altura. Observa o relevo a partir de um penhasco, diante da aldeia que lhe empresta o nome.
Na Terra dos Sonhos, o nome oficial da obra instalada junto ao passadiço das Fragas de São Simão, integra a Rota de Escultura nos Territórios de Pedra, inaugurada no início de Junho. O trabalho de Joana Alves reflecte sobre a desertificação do interior e o êxodo do campo para as cidades, mas, acima de tudo, pretende representar “a necessidade espiritual de regressar à terra natal, à origem”.
Simão “tem monumentalidade”, mas “não perturba e não cria ruído”, comenta a escultora. O material e a escala contribuem para estabelecer uma relação com o lugar e ajudam a cumprir o objectivo, definido logo no primeiro momento, de “não interferir na paisagem”.
A arte pública, acredita Joana Alves, pode aproximar as pessoas e gerar auto-estima, mas implica “compromisso com a comunidade”. Sobretudo, em projectos como o Territórios de Pedra, que a artista considera “muito importantes”, por ocorrerem fora dos centros urbanos.
Ao longo de um circuito que atravessa os municípios de Ansião, Figueiró dos Vinhos e Pombal, a Rota de Escultura nos Territórios de Pedra reúne oito obras contemporâneas, de outros tantos artistas, portugueses e estrangeiros, seleccionados através de concurso público internacional.
Na Serra da Portela, descobrem-se Simbiose, de Santos Carvalho, Mother of Time, de Fernando Pinto (Colômbia), Seed, de Emiliano Rodrigo Sacco (Argentina) e Rebanho, de Vítor Reis.
Em Abiúl surgem Como que por milagre, de Domingos Loureiro, e Mother River, de Liu Yang (China).
E, no concelho de Figueiró dos Vinhos, estão Na Terra dos Sonhos, de Joana Alves, e Casa do povo, do povo da pedra, de Nuno Machado.
Para a organização, liderada pelo município de Ansião, o resultado é um museu a céu aberto que convida a explorar lugares com características ímpares.
“Quem gosta de arte tem sempre a oportunidade de poder apreciar depois toda a paisagem que a envolve”, como que “a participar da própria Natureza”, refere a vereadora Cristina Bernardino, do município de Ansião, que fez parte da comissão de avaliação, numa open call que exigia o desenvolvimento das peças em ligação direta com a comunidade do local de intervenção.
A autarca espera que o norte do distrito de Leiria ganhe novos visitantes, e, por outro lado, se reforce o sentimento de pertença entre os que lá moram.
Rebanho, de Vítor Reis, representa os animais da serra na zona de Pousaflores e o artista de Caldas da Rainha diz-se agradado com a possibilidade de a peça ser descoberta por acaso. Outro aspecto que destaca no projecto Territórios de Pedra é o efeito de “descentralização da cultura”.
“A arte leva a questionar, leva as pessoas a falar umas com as outras”, salienta, na conversa com o JORNAL DE LEIRIA. O empilhamento das ovelhas em perfil como num jogo é uma forma de manifestar a ideia de grupo.
Segundo Cristina Bernardino, a câmara de Ansião pretende que o projecto Territórios de Pedra e a nova rota funcionem como mote para um simpósio dedicado à escultura a realizar em 2023.
O trabalho já realizado com Pombal e Figueiró dos Vinhos permite “valorizar” uma narrativa com raízes no concelho, que, na opinião da autarca, “merece ser recontada”.
A rede formada pela parceria entre os três municípios “abriu horizontes” e, segundo Cristina Bernardino, “irá permanecer”. Ansião assume o compromisso de lhe dar continuidade.
O projecto Territórios de Pedra contemplou uma programação cultural conjunta dinamizada por artistas profissionais. O espectáculo comunitário Pedras Contadas, orientado pelo colectivo Pele, do Porto, envolveu 90 intérpretes, todos eles habitantes de Ansião, Figueiró dos Vinhos ou Pombal, na co-criação de um percurso sonoro e performativo.
Também o percurso Pedra a Pedra, da autoria de Ana Bento e Bruno Pinto, contou com a interpretação da comunidade, numa ligação entre a música e os lugares.
Já a exposição O Cantar da Pedra nasceu do trabalho de campo da Binaural Nodar, no registo de testemunhos, além de paisagens sonoras.
Residências artísticas, ateliês e intervenções de arte comunitária para valorizar a cantaria e a calcetaria também contribuíram para a programação do Territórios de Pedra, que incluiu, em Julho do ano passado, o concerto O Método do compositor Rodrigo Leão, acompanhado ao vivo por um coro de jovens dos três concelhos.
A candidatura de Ansião, Figueiró dos Vinhos e Pombal obteve um financiamento de 300 mil euros para os anos de 2021 e 2022, com a inauguração da Rota de Escultura a concluir as actividades.