Sociedade
Arguidos do processo de Pedrógão Grande estão a ser duplamente vítimas
Afirmação de advogado do processo das alegadas irregularidades na construção das casas
Um advogado afirmou hoje que os arguidos julgados no processo das alegadas irregularidades na reconstrução de casas em Pedrógão Grande após os incêndios de 2017 estão a ser “duplamente vítimas”.
“Estas pessoas estão a ser duplamente vítimas. Foram vítimas em 2017 e estão a ser vítimas agora, pelo enxovalho a que estão a ser sujeitas, porque se as regras do jogo tivessem sido definidas desde o início e a administração pública tivesse atuado como devia, não estaríamos aqui hoje”, disse Agostinho Baptista, nas alegações finais do julgamento do Tribunal Judicial de Leiria, que decorreu na Exposalão, Batalha.
Segundo o jurista, que defende um dos 28 arguidos em julgamento, este foi um “processo atabalhoado, precipitado”, salientando que “era para reconstruir tudo até ao Natal [de 2017], até as capoeiras”.
“Não são capoeiras, são casas”, frisou Agostinho Baptista.
No terceiro e último dia de alegações finais, um outro advogado, António Bahia, referiu que nem o arguido que representa ou arguidos “são nesta história os lobos maus nem as entidades visadas os capuchinhos vermelhos”.
Antes, o defensor salientou que o seu cliente “considera-se totalmente inocente e enganado”, pois foi a uma sessão de esclarecimentos na qual lhe disseram a ele, e a muitos outros, que “as casas ardidas, todas as casas ardidas, eram para ser reconstruídas”.
António Bahia explicou que foi por isso que o arguido fez a candidatura de uma casa que lhe pertencia e ao irmão, e onde “sempre viveu” o filho do acusado, e “não só ele, como a entidade ou entidades do Estado de direito que analisaram o processo, bem sabiam que a titularidade da casa em nome” do filho (com uma deficiência entre 60% e 70% – um dos requisitos fundamentais para a reconstrução - “não estava preenchido”,
O advogado destacou que, apesar disso, “as entidades deram o seu aval – construa-se a casa – e assim foi feita a casa, sem nunca, mas nunca, o arguido ser ouvido, no sentido de pretender ou não pretender que a casa fosse reconstruída, daí sentir-se enganado”.
“É inaceitável, ao caso concreto, estes maus procedimentos, por estas entidades públicas, sobretudo pela CCDR [Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC)], tanto mais que sabemos que a administração pública conhece e utiliza a audição de partes ou a audição prévia ara consulta”, disse.
Para António Bahia, “é inaceitável que uma entidade pública” como a CCDRC, que “fiscalizou e avalizou o processo” do arguido, “não tenha reparado sequer que ao processo lhe faltava um requisito, um requisito fundamental, o da titularidade, e que, por esse motivo, o processo ficou totalmente amputado, estava coxo e não podia avançar mais”.
“Mas avançou, até à reconstrução da casa ardida, devido à negligência e aos erros clamorosos de quem tem o dever de zelar pela coisa pública e não o fez”, afirmou.
Para António Bahia, o seu constituinte “foi vítima de procedimentos da administração pública inaceitáveis à luz de um Estado de direito”, mas observou que quem está em julgamento é o seu constituinte.
“E ninguém da administração pública que cometeu ou cometeram erros foi ou será alguma vez sancionado por esses erros”, admitiu, abordando ainda a questão dos princípios éticos e da obrigatória transparência democrática a que estão sujeitas as entidades públicas.
O julgamento das alegadas irregularidades no processo de reconstrução das casas que arderam no incêndio de Junho de 2017 no concelho de Pedrógão Grande, distrito de Leiria, e que alastrou a municípios vizinhos começou em 26 de Outubro de 2020.
Entre os 28 arguidos estão o ex-presidente da Câmara de Pedrógão Grande e o antigo vereador deste município, Valdemar Alves e Bruno Gomes, respetivamente.
Estes antigos autarcas estão pronunciados por 20 crimes de prevaricação de titular de cargo político, 20 crimes de falsificação de documento e 20 crimes de burla qualificada, os mesmos do despacho de acusação.
Este incêndio provocou 66 mortos e 253 feridos, tendo destruído cerca de 500 casas, 261 das quais habitações permanentes, e 50 empresas.
A leitura do acórdão está prevista para 31 de Janeiro de 2022, às 10:00, no Palácio da Justiça de Leiria.