Abertura
Carlos e Isabel Carvalho, um relato de quem venceu a Covid-19
Casal mora na Marinha Grande e ainda não sabe como se infectou
“Não me conseguia levantar, nem caminhar pela casa. Tinha dores horrorosas pelo corpo. Aquelas dores das gripes, em todo o corpo, mas em triplo. A minha cabeça queimava e estalava. O meu pescoço ardia, sempre com uma febre ligeira, com a temperatura a viajar de 35.1º, 35.3º a 37.5º e voltava aos 35.3º e sucessivamente.”
Isabel Carvalho, 55 anos, funcionária na Direcção de Finanças de Leiria e residente na Marinha Grande, sentiu a vida em suspenso por acção da Covid- 19.
“Desde que fui ao hospital que não tenho febre e hoje estou bem. Com o meu marido foi mau, mas correu bem, agora tenho a certeza de que tudo está no bom caminho.”
Ainda a lutar contra a doença, mas praticamente restabelecida, a sua preocupação é Carlos, 57 anos, a quem o coronavírus provocou uma pneumonia e que esteve uma semana em coma induzido, a respirar com o auxílio de um ventilador, no Hospital de Santo André, em Leiria.
Já falou com ele após a longa semana de 28 de Março a 4 de Abril, que o professor e presidente da Direcção dos Bombeiros Voluntários da Marinha Grande passou na Unidade de Cuidados Intensivos.
“Antes de o levarem para lá, falámos ao telefone. Sabíamos que poderia passar muito tempo antes de voltarmos a fazê-lo. Estava a receber oxigénio, mas, sempre calmo, disse-me que se sentia bem.”
À chegada ao hospital, foi diagnosticada a Carlos uma “pneumonia galopante”. “Foi o primeiro a sair do ventilador e do coma, mas outros ainda lá ficaram”, conta Isabel, com alívio na voz.
Pela frente, Carlos tem ainda semanas de recuperação. Já Isabel começa a sentir-se bem, mas ainda lhe faltam as forças.
Passa os dias ocupada com pequenas coisas. “Não tenho stress, nem pânico. Vejo o Facebook, converso com amigos nos grupos do Whatsapp e do Messenger, vejo as notícias na televisão.”
Quando se sentir realmente bem, tem já um objectivo em mente: “arrumar a casa a fundo”.
Até lá, passa os dias, em casa, com os filhos, de 14 e 20 anos, que nunca apresentaram sintomas. Todos os dias recebe a visita de agentes da PSP que verificam se estão em casa.
“A esposa de um deles é enfermeira. Imagino que deva ser muito difícil os dois elementos de um casal estarem na linha da frente desta guerra.
Dores no corpo, náusea e perda do paladar e olfacto
“Sentia dores em todo o corpo, náusea... mas nunca vomitei, falta de paladar e de olfacto - esse ainda não voltou -, os meus intestinos ardiam. Estavam em fogo, a minha pele queimava de tanta sensibilidade à febre relativamente baixa, que se manteve em constante variação. Ia dos 35.3ª aos 37.5ª e voltava e ia, e ia e voltava, ao contrário do meu marido que tinha febre muito alta, até aos 39.5º, e, em dois dias, desenvolveu uma pneumonia.” Os sintomas de infecção por Covid-19 são bem conhecidos, mas o coronavírus não ataca todos da mesma maneira. Isabel diz que nunca sentiu os pulmões afectados, mas, a dificuldade em respirar foi o que fez soar o alerta na Linha Saúde 24 e ditou o internamento do marido.
Isabel sentiu no âmago a doença e não entende quem a desvaloriza e continua a ter comportamentos egoístas de risco, apesar dos avisos: “os inconscientes são perigosos especialmente para os outros”. Por relatos de amigos de Macau, onde Isabel Carlos e Isabel residiram 12 anos, sabiam que a Covid-19 não é “apenas uma gripe”, o que não esperavam era sentirem-na tão rapidamente.
“No Carnaval, não saímos e nunca nos deslocámos do nosso percurso habitual de casa para o trabalho. Moramos no centro da Marinha Grande e o meu marido é professor na Calazans Duarte, aqui perto”, recorda. Ainda hoje se sentem intrigados sobre a contaminação.
Isabel aventa uma hipótese, após ter debatido a questão com os médicos: a estação de combustível onde abasteceram os carros. Só assim se poderia explicar o facto de ninguém das suas relações ter contraído a doença.
“São locais de passagem, onde temos de tocar em sítios que dificilmente se conseguem desinfectar apropriadamente. São focos de infecção terríveis.” Por volta do dia 17 de Março, com o País em isolamento há dias, sentiram sintomas de gripe. A temperatura de Isabel subia e descia.
No sábado, dia 20, a febre de ambos ultrapassou 37º e Carlos sentia o corpo dorido. Questionavam- se se seria a tão falada Covid- 19 e Carlos começou a tentar ligar para a Linha Saúde 24, que se encontrava congestionada.
Por fim, no dia 24, após muita insistência, conseguiu falar com uma enfermeira que desvalorizou os sintomas, por ainda serem leves, mas aconselhou- o a trocar umas palavras com um médico. Ao fim de mais 1:20 horas de espera, Carlos desligou.
No dia seguinte, conseguiu falar com um clínico e, ao mencionar os sintomas e a falta de ar, este disse-lhe para “ficar quieto” até o INEM chegar. Foi para o Hospital de Santo André, onde lhe foi diagnosticada a infecção pelo coronavírus e uma pneumonia, tendo-lhe sido administrado oxigénio e medicamentos intravenosos, antes de lhe ter sido induzido o coma para ser ligado a um ventilador.
Pouco depois, o INEM chegaria para levar Isabel às Urgências. Aí, após ter sido medicada, a febre baixou e as dores desapareceram.
"A nossa maior preocupação eram os nossos filhos, que iam ficar sozinhos”, conta. Porém, como a sintomatologia era leve, a funcionária da Direcção de Finanças de Leiria foi enviada para casa e ficou cinco dias fechada no quarto, até receber ordem médica para circular pelo lar, mas sempre com muitos cuidados.
Isabel sente-se muito agradecida aos amigos, aos Bombeiros da Marinha Grande e ao pessoal médico do Hospital Santo André onde, ela e o marido, se sentiram bem atendidos e tratados.
“É admirável a capacidade dos médicos de se focarem nas prioridades, com as máscaras e material de protecção desconfortáveis, durante 12 horas ou mais, especialmente, quando têm pessoas sempre a reclamar e a pensar no seu próprio umbigo.”