Sociedade

Centro histórico de Leiria voltou a pulsar

28 mar 2019 00:00

As famílias e os comerciantes fizeram as pazes com o centro histórico de Leiria. À imagem do que sucede noutras cidades portuguesas, também por cá aumenta o número de fogos e de negócios na zona tradicional

centro-historico-de-leiria-voltou-a-pulsar-10048
Daniela Franco Sousa

Depois de vários anos de afastamento dos centros históricos, que contribuíram para a desertificação humana e para a degradação do património edificado nas localizações mais antigas, com uma preferência notória pela construção nova em áreas periféricas, eis que Leiria começa a seguir o exemplo do que na Europa é uma tendência com vários anos, com o reconciliar das famílias e dos comerciantes com a zona antiga da cidade.

Não faltam projectos de recuperação de antigos edifícios na zona tradicional de Leiria, com capacidade para atrair jovens, e também idosos, assim como não faltam novos negócios, sobretudo de restauração e de hotelaria, que assistem a este novo pulsar como uma oportunidade.

Precisamente hoje, quando se assinala o Dia Nacional dos Centros Históricos, o JORNAL DE LEIRIA foi perceber quais são as motivações de quem escolhe viver na zona antiga da cidade e saber quais são, nesta fase, as oportunidades de melhoria a explorar nesta localização. De acordo com a Câmara de Leiria, só em 2018, o Município aprovou dez processos de reabilitação e de construção, cinco no centro histórico e mais cinco na restanteárea de reabilitação urbana. E em 2019 já se encontram aprovados mais dois, um no centro histórico e outro na restante área de reabilitação urbana. E a intensa actividade da Campinoise, empresa dedicada à promoção e ao arrendamento de imóveis, reflecte bem esta procura crescente pelo centro histórico de Leiria.

De acordo com Sofia Ferreira, pertence à Campinoise um edifício próximo da GNR, onde todos os fogos já se encontram arrendados; é também seu um outro edifício situado na Rua Capitão Mouzinho de Albuquerque, que se encontra todo arrendado ao comércio; o prédio rosa, localizado na Rua Tenente Valadim, todo ele já arrendado para habitação; o edifício da antiga Tipografia Barata, cujas sete fracções destinadas a habitação se encontram todas arrendadas. Encontra-se ainda em obra um edifício situado junto ao miradouro que, das oito fracções à venda, já tem quatro vendidas; bem como o edifício do Arco, junto à Igreja da Misericórdia, que será dedicado ao mercado de arrendamento, acrescenta Sofia Ferreira.

A promotora salienta que este regresso ao centro histórico está relacionado com a crise, que durante anos restringiu o acessodas famílias ao crédito bancário, e fez com que os jovens, que até aí preferiam comprar casa de construção nova nas redondezas, tivessem de se voltar para o mercado de arrendamento, que só existia no centro histórico.

Os incentivos fiscais à recuperação de imóveis no centro histórico deram um impulso adicional, com a reabilitação de muitos prédios, que foram colocados no mercado, para venda ou arrendamento, expõe Sofia Ferreira. O centro histórico de Leiria deixou nesta altura de ser uma zona de moradores idosos, para acolher também muitos jovens, relata a promotora. Os clientes da Campinoise pertencem a uma “gama média - alta”, muitos deles jovens, entre os 30 e os 35 anos de idade, que saem sozinhos e pela primeira vez de casa dos pais, ou que estão a iniciar uma vida a dois.

A experiência dos últimos anos indica também que estes novos moradores pretendem arrendar para ficar durante vários anos, saindo apenas ou para comprar a sua própria habitação, ou porque, por motivos profissionais, têm de mudar de cidade. Intensa tem sido também a actividade da mediadora imobiliária Twelvesquare, que conta com quatro empreendimentos no centro histórico, aponta Nuno Fabião. Um deles é o Condomínio das Rosas, na Rua Barão de Viamonte (Rua Direita), composto por quatro apartamentos e uma loja, e que se encontra já em fase final de construção; conta também com o Condomínio do Castelo, situado em frente da PSP, que é composto por dez apartamentos e que está em fase inicial de construção; quanto ao Condomínio do Arco, junto à Praça Rodrigues Lobo, já tem projecto aprovado para 18 apartamentos e três lojas; e existe ainda o Quarteirão do Eça, de dez apartamentos e três lojas, que conta também com a mmediação daTwelvesquare.

Ao contrário da Campinoise, que se dedica sobretudo ao arrendamento, captando para o centro histórico de Leiria moradores mais jovens, quem está a comprar casa na zona antiga por intermédio da Twelvesquare são geralmente pessoas mais velhas. Nuno Fabião explica que estas pessoas compram agora casa própria e permanente, muitas delas já depois de terem completado 60 anos de idade, e depois de terem tido uma moradia na periferia da cidade.

Desfazem-se da habitação própria nos arredores (muitas vezes casas de grandes dimensões e com escadas) e preferem hoje imóveis no centro histórico por uma questão de mobilidade. Os espaços que estão a ser reabilitados no centro histórico já têm elevador e, por outro lado, viver no centro histórico é ter minimercado, farmácia, banco e todos os outros serviços à porta de casa, justifica Nuno Fabião.

No entanto, há mais procura do que oferta e é por isso que os preços da habitação na zona antiga estão agora mais elevados, salienta o mediador imobiliário. Para Nuno Fabião, é tão importante haver habitação própria e permanente no centro histórico como haver imóveis destinados ao arrendamento. É a única maneira de assegurar que o centro histórico de Leiria não se transforma num “enorme condomínio de luxo”.

Fundamental foi também que o sector privado tivesse investido na reabilitação dos imóveis, fazendo o comércio e a restauração regressar ao centro da cidade. “Agora é só esperar, porque as condições já estão reunidas”, defende Nuno Fabião, acreditando que, depois desta fase intensa de reabilitação das habitações, também a Câmara Municipal de Leiria irá acompanhar o ritmo, com investimento público que potencie a atractividade da zona antiga da cidade.

A Rodrigues Lobo é o meu quintal Marco Marques, de 37 anos, está a viver na Rua Fernão de Magalhães, uma transversal da Rua Direita, desde Outubro de 2017. Natural da Marinha Grande, o operador de CNC explica que optou por residir no centro histórico de Leiria “um pouco por exclusão de partes”. “Comecei por procurar casa para arrendar na Marinha Grande, porque não queria comprar logo. Mas via o tempo a passar, entretanto já tinham decorrido três meses, e como não encontrava nada que me agradasse na Marinha Grande, resolvi espreitar o que existia em Leiria, onde o mercado de arrendamento é melhor e um pouco mais vasto”, expõe Marco Marques.

“Por um estúdio 'disfarçado de T1' estou a pagar o que pagaria por um T2 na Marinha Grande. E fiquei a perceber que no último ano e meio as rendas dispararam ainda mais em Leiria. É uma loucura”, aponta o morador. “Quer fazer-se de Leiria um pouco de Lisboa. Mas se em Lisboa este disparar de preços já é mau, nesta zona ainda se justifica menos”, critica Marco Marques. À questão do preço juntam-se outros inconvenientes de morar no centro histórico. Sem querer diabolizar os estudantes, o morador reconhece que os jovens que passam nas ruas, entre os bares da zona histórica, fazem “barulho excessivo”.

E lamenta ainda que as casas do centro histórico não tenham estacionamento. “Se eu quiser fazer uma avença num parque pagarei cerca de 80 euros por mês, o que é muitíssimo juntando à minha renda”, aponta o morador. Mesmo assim, os benefícios ultrapassam largamente os inconvenientes. Marco Marques realça que, de forma geral, o movimento no centro histórico é positivo.

Além disso, “há oferta cultural muito próxima, há serviços, super- mercados”, especifica o morador. “Posso fazer perfeitamente a minha vida a pé por aqui. Só pego no carro, porque trabalho na Marinha Grande”, frisa Marco Marques. E quanto à vizinhança? Há bom ambiente entre um misto de gerações, explica o morador. Além de jovens casais, que estão a chegar, há pessoas mais velhas que nunca deixaram de residir no centro histórico.

Promotora imobiliária da Campinoise, Sofia Ferreira é, também ela, moradora do centro histórico de Leiria. Confessa que, tendo vindo de uma aldeia, tomou um “susto” quando começou a viver na zona histórica. “Música à quinta, à sexta, ao sábado... mas depois habituamo-nos. Além disso, as coisas estão a melhorar a esse nível”, sublinha a moradora. “E temos tudo ao pé. Costumo dizer que desço de casa e tenho a Praça Rodrigues Lobo como quintal”, brinca Sofia Ferreira. No entanto, há ainda oportunidades de melhoria e a pedonalização de algumas vias é uma delas.

A moradora explica que há estradas estreitas onde os automóveis estacionam e dificultam o trânsito. Em caso de acidente, “nem uma ambulância nem o carro de bombeiros lá passam”, verifica a moradora, que alerta para a necessidades de criar mais condições de segurança.

 

Projectos
Câmara investe na requalificação do centro

De acordo com a Câmara de Leiria, são vários os projectos públicos previstos para requalificar/pedonalizar o centro histórico da cidade, entre os quais: acessos mecânicos ao castelo (acessos Norte e Sul); requalificação urbana da Praça Rodrigues Lobo;requalificação da Praça Goa Damão e Diu (Fonte Luminosa);requalificação da Rua Barão de Viamonte e da Rua dos Mártires;requalificação da Avenida Heróis de Angola e da Rua Capitão Mouzinho de Albuquerque; requalificação do Largo de S. Pedro e da zona intramuralhas do Castelo, com acessos através de meios electomecânicos. Também a Loja do Cidadão (em obra);projecto de Museulização da Torre Sineira (em obra);projecto de Requalificação da Igreja de S. Pedro (em obra);cobertura da Igreja da Pena (dentro do núcleo amuralhado) (projecto aprovado); e requalificação de duas salas de cinema no edifício do Antigo Paço Episcopal (em projecto).

Chama-se Il Capo o restaurante italiano que inaugurou no passado dia 2 de Março no Largo da Padeira de Aljubarrota. Isabel Frazão e o marido, Guiseppe Guglielmelli, moravam em França e já trabalhavam no ramo da restauração, mas sonhavam com a hora de passar a residir em Leiria. Afinal, Isabel Frazão é natural das Cortes e Leiria nunca deixou de ser “uma paixão” para o casal. Há cerca de ano e meio, Isabel e Guiseppe conseguiram transformar o sonho em realidade. Passaram a viver na Cruz d'Areia e depararam-se com uma “oportunidade” de negócio no centro histórico da cidade de Leiria. As rendas até poderão ser agora um pouco mais caras no centro tradicional, porque entretanto se tornou numa zona nobre da cidade. Mas Isabel e o marido também reconhecem que é grande o movimento nesta localização. O recanto onde está situado o Il Capo não é dos locais que mais exponha o restaurante. Mas, mesmo assim, tem atraído público à hora de almoço, sobretudo as pessoas que trabalham nas imediações. E ao jantar tem conseguido captar o interesse das famílias. Voltar a Portugal e abrir negócio no centro histórico de Leiria “foi uma escolha de vida” da qual o casal não se arrepende. À excepção de grandes compras, que exigem abastecimento no grossista, Isabel e Guiseppe conseguem ter um pouco de tudo no centro da cidade. Luís Marques, jovem empreendedor de Leiria, é sócio- -gerente do Atlas Hostel de Leiria que abriu portas na Rua Direita, e também do La Palma Hostel Leiria, situado na Rua Coronel Artur Paiva, ambos estabelecimentos localizados no centro histórico. Os serviços de bar, abertos ao público, acabam por atrair pessoas dos 20 aos 50 anos de idade, gente das redondezas, explica Luís Marques. Já as dormidas pertencem aos turistas estrangeiros, os ditos “mochileiros”, acrescenta o sócio-gerente. Luís Marques reconhece que, além dos seus dois estabelecimentos, mais algumas casas do ramo foram nascendo nos últimos anos no centro histórico de Leiria. Mas entende que o regresso do comércio ao centro histórico da cidade só virá a acontecer em força a partir do momento em que os vários imóveis, que agora estão em fase de construção, passarem a receber os seu inquilinos. Por agora, fala-se ainda muito da nova dinâmica do centro histórico, mas nada se aproxima ao que vai acontecendo em Lisboa e noutras capitais europeias, acredita o empresário, que diz assistir a mais

Este conteúdo é exclusivo para assinantes

Sabia que pode ser assinante do JORNAL DE LEIRIA por 5 cêntimos por dia?

Não perca a oportunidade de ter nas suas mãos e sem restrições o retrato diário do que se passa em Leiria. Junte-se a nós e dê o seu apoio ao jornalismo de referência do Jornal de Leiria. Torne-se nosso assinante.

Já é assinante? Inicie aqui
ASSINE JÁ