Desporto
Demorou, mas o tempo deu-lhes razão
Para Tiago Esgaio e Stephen Eustáquio nunca houve facilidades, mas estes amigos de infância da Nazaré não desistiram. Agora, os melhores clubes do País estão atentos ao talento de ambos
São dos nomes que a imprensa desportiva mais comenta para reforçar os planteis dos principais clubes nacionais de futebol na próxima temporada. Tiago Esgaio, apontado ao Sporting, e Stephen Eustáquio, seguido pelo FC Porto, têm estado ao mais alto nível no Belenenses SAD e Paços de Ferreira, respectivamente, mas poucos sabem que têm em comum muito mais do que o talento inato dos que nascem na Nazaré.
O percurso destes craques, amigos inseparáveis desde a infância, esteve bem longe de ser linear. Não houve facilidades, as portas não se abriram à primeira, mas mesmo assim nunca tiveram dúvidas do que queriam fazer e comportavam-se em harmonia. “Até metia impressão”, conta Milton Estrelinha, amigo de longa data de ambos.
“Sempre foram muito responsáveis. Lembro-me de no Carnaval lhes ligar para sair e dizerem que não, que tinham treino no dia seguinte. A Passagem de Ano não é que não quisessem, mas abdicavam porque queriam seguir o sonho. Desde muito novos assumiram este compromisso, sabiam muito bem o que tinham de fazer.”
Eram dois miúdos amigos inseparáveis desde a infância e que estavam na mesma fase de maturação. “Na altura não achávamos muita piada, mas, como era normal, os pais faziam sempre com que os irmãos mais novos andassem com o mais velhos”, conta Mauro, jogador do Caldas, irmão mais velho de Stephen e amigo de Ricardo, o irmão mais velho de Tiago. “Achávamos que éramos os maiores, estávamos com o nosso pessoal e com as namoradinhas, e eles levavam uma bola e andavam a brincar, sozinhos, os dois. Passaram essa fase juntos.”
Caminho difícil
Hoje, é vê-los a brilhar com as camisolas de clubes da 1.ª Liga. Stephen Eustáquio, de 24 anos, com as cores do Paços de Ferreira. Tiago Esgaio, um ano mais velho, pelo Belenenses SAD. Apesar da distância, a amizade persiste. Mantêm contacto diário, têm “interesses muito iguais” e pelo menos uma semana de férias está reservada para passarem juntos, com as companheiras e a filha de Tiago.
A mãe deste, Florbela, emociona-se mal houve falar do interesse dos grandes clubes nos miúdos, porque, “a bem dizer, começaram do nada e tiveram de ser eles a acreditar”. “Com o meu filho mais novo as coisas foram um bocado mais difíceis, porque o mais velho (Ricardo Esgaio) sempre teve o apoio do Sporting. Agora, ele e o Stephen, coitaditos, andaram sempre de um clube para o outro.”
Uma vezes juntos, outras com emblemas diferentes ao peito, nunca deixaram de sonhar em conjunto. Foram três anos da mesma turma, jogaram juntos nas escolinhas d’Os Nazarenos, iam para o treino da União de Leiria na mesma carrinha e, já seniores, jogaram na mesma equipa pelo Torreense.
Agora, o frente a frente é na 1.ª Liga, mas chegaram a ter arrelias por causa da bola, conta Esmeralda Eustáquio, mãe de Stephen. “O Tiago jogava no escalão acima, porque têm um ano de diferença, e a seguir aos jogos encontravam-se sempre em minha casa ou em casa deles e falavam muito sobre o jogo. O Tiago dizia ao Stephen para devia ter feito de determinada maneira e o contrário também acontecia. Aquilo acabava sempre em discussão.”
A paixão pelo futebol justificava tanto entusiasmo. “Como eram muito amigos sempre acreditaram um no outro e fizeram a caminhada. Falavam muito, trabalhavam muito e davam um ao outro força psicológica, que era o que mais precisavam na altura”, recorda Esmeralda Eustáquio.
De tal forma que houve um momento em que o filho começou a pensar abrir outras portas. “O Stephen queria ter uma vida boa. Fez o 12.º ano e como no futebol ninguém apostava nele, fez as provas de acesso ao ensino superior e passou”. Também Florbela Esgaio admite que tudo chegou a estar em causa.
“Foram crescendo, as mentalidades foram-se abrindo e perceberam que, por vezes, o futebol pode não dar. O Tiago chegou a temer não poder seguir o sonho. Por isso, quando apareceu o interesse do Belenenses SAD até me chegaram as lágrimas aos olhos, porque falava-se de clubes interessados, mas as coisas nunca aconteciam.”
Afirmação
Quem os conhece não está surpreendido com o sucesso, porque a resposta foi sempre o amor à causa. “Eles trabalharam muito, porque o Stephen nunca teve muita sorte no futebol. Onde chegou foi porque ele acreditou”, diz Esmeralda, com um orgulho gigante na força do filho. “Ninguém via, mas ele sempre acreditou. O próprio Stephen é que ligava para as equipas, era ele que arranjava os estágios dele. Depois, encontrou um amigo que o pôs no Torreense, e foi quando tudo começou.”
Apesar deste percurso sinuoso, e que parece estar no caminho do sucesso, os amigos de infância nunca ficaram para trás. “Às duas da tarde na Polícia Marítima.” Era este o ponto de encontro do grupo Os Padrinhos para mais um dia de praia na Nazaré. Além dos mergulhos no mar, a jornada não ficava completa sem os inevitáveis e sempre imperdíveis “banhos de sol, os jogos à bola e o lanche no senhor Carlos”, conta Milton Estrelinha, que também recorda os torneios de 24 horas de futsal da Pederneira, onde chegaram a ganhar à equipa dos mais mais velhos.
E ainda hoje, apesar de cada um ter seguido o seu caminho, está feito “um pacto de amizade” de pelo menos uma vez por ano jantarem todos juntos. E fazem um brinde ao sucesso destes lutadores que #nunca deixaram de estar presentes nos momentos dos amigos” e para quem “qualquer obstáculo é suficientemente pequeno para ser ultrapassado”. O tempo deu-lhes razão.
A bola sempre debaixo do braço
Quando os Eustáquios regressaram do Canadá para a Nazaré, em 2005, Mauro tinha 12 anos e Stephen nove. Os manos Esgaio já eram as grandes promessas do futebol d’Os Nazarenos e rapidamente se consolidou uma forte amizade, primeiro dos mais velhos, depois dos mais novos.
No ano seguinte, Ricardo Esgaio ruma aos escalões de formação do Sporting, mas a proximidade não esmoreceu, com Tiago e Stephen a passarem muito tempo juntos, entre o bairro dos pescadores e a praia, sempre com a bola debaixo do braço. Ambos começaram no clube da vila, mas Tiago rumou à União de Leiria em 2009/10 e Stephen na temporada seguinte, mas teve menos espaço de afirmação.
“Os treinadores sempre acharam que ele tinha qualquer coisa, mas enquanto iniciado e juvenil não passava do metro e meio e dos trinta quilos. Mesmo que chegasse primeiro e antecipasse a jogada, com um encosto acabava por perder o lance e a leitura antecipada não lhe valia de grande coisa”, explica Mauro Eustáquio.
No último de júnior, em 2013/14, Tiago Esgaio faz uma boa época no Rio Ave, mas a estreia como sénior é no Caldas, onde fica duas temporadas, antes de se mudar para o Torreense. Com poucas hipóteses de jogar em Leiria, Stephen regressa a Os Nazarenos para jogar na equipa sénior, rumando depois ao clube de Torres Vedras, onde conviveu com Tiago na temporada 2016/17 e onde tomaram conta da intermediária de um clube que se apurou para a fase de subida à 2.ª Liga e chegou aos oitavos-de-final da Taça de Portugal.
Rui Narciso, que os orientou nessa temporada, valoriza a “humildade tremenda” e a “grande disponibilidade para ouvir e aprender” de ambos, jogadores que “desde muito cedo e de forma similar sempre evidenciaram uma grande maturidade”.
“Tinham a plena consciência de onde queriam chegar e o que tinham de fazer para conseguir. Sabiam que o corpo era a ferramenta de trabalho. Curiosamente, algumas das características são muito semelhantes. Sem bola têm uma imensa capacidade de trabalho e grande intensidade nos duelos individuais. Em construção são jogadores com boa capacidade de passe e leitura de jogo, percebem o que aquele momento do jogo lhes pede.”
E de repente, Stephen deu o salto para o Leixões e logo a seguir o Desportivo de Chaves, já na 1.ª Liga, e chegou à selecção nacional de sub-21. Logo a seguir assinou pelo ao Cruz Azul, do México, onde a afirmação foi interrompida por uma rotura de ligamentos cruzados. Regressou a Portugal em 2019/20, para o Paços de Ferreira, onde não pára de se afirmar no meio campo de Pepa.
Tiago prosseguiu no Torreense mais duas temporadas e está a representar o Belenenses SAD pela segunda, onde começou a jogar a lateral direito, como o irmão no Braga, e a despertar o interesse dos principais clubes nacionais.