Sociedade

Descoberta há 20 anos, Praia Jurássica reclama valorização e classificação

7 abr 2023 08:00

"O município está de mãos atadas. Mesmo que queira, não pode investir", afirma Jorge Vala, presidente da Câmara de Porto de Mós.

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Sítio do Cabeço da Ladeira revela um fundo marinho com cerca de 170 milhões anos
DR
Maria Anabela Silva

Foi em 2003 que, numa visita de rotina de técnicos do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros à pedreira do Cabeço da Ladeira, foram encontrados os primeiros fósseis no local que ficou conhecido como Praia Jurássica de São Bento, em Porto de Mós.

No entanto, o achado só seria tornado público uma década mais tarde, com a divulgação de imagens do fundo marinho com cerca de 170 milhões de anos, que revelavam ao mundo um sítio paleontológico único.

Vinte anos volvidos, o local continua à espera de classificação, um passo “decisivo” para definir e executar acções de valorização e de conservação, prometidas mas não concretizadas.

Sem precisar uma data, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) adianta que o processo de classificação “está em fase de conclusão”, no que respeita à discussão interna neste organismo, e que em “breve” será submetida à análise do município.

“O ‘quase’ tem, pelo menos, cinco anos”, aponta o presidente da câmara, Jorge Vala, que considera este “mais um exemplo da inoperância do Estado” na preservação e valorização do património.

“A classificação é um passo decisivo, sem o qual é muito difícil definir investimentos”, alega, assumindo que o município “está de mãos atadas, porque mesmo que queira, não pode investir”.

Desde a revelação pública da descoberta, foram feitas várias promessas de valorização do espaço, que incluíam a criação de um centro interpretativo e de condições de visitação da jazida, sem concretização à vista.

Questionado sobre o que está previsto nesta matéria, o ICNF informa que “as medidas de sensibilização, comunicação e visitação serão divulgadas oportunamente”.

Espaço interdito à visitação

O espaço encontra-se vedado, havendo a possibilidade de visitas guiadas, mediante marcação através de e-mail (pnsac@icnf.pt). Por substituir está o painel informativo colocado no local após a divulgação do achado, que fazia a sua contextualização, e que hoje é apenas uma placa em branco.

Também as réplicas dos fósseis originais, retirados do local e depositados no Museu Geológico do Laboratório de Nacional de Energia e Geologia, já desapareceram.

Segundo o ICNF, a classificação “permitirá garantir a conservação e manutenção da integridade de todo o património” paleontológico e natural existente. “É o reconhecimento da singularidade, raridade e representatividade científica, estética e didáctica do Sítio Paleontológico do Cabeço da Ladeira”, salienta o organismo, destacando o “extenso conjunto de estudos paleontológicos” feitos, nos últimos anos, em torno do local.

Identificadas 17 icnoespécies

No âmbito dessas investigações foram identificadas “15 espécies de equinodermes, 15 espécies de bivalves, duas espécies de gastrópodes e várias espécies ainda não identificadas de amonites, poliquetas serpulídeos, braquiópodes, esponjas, corais, ostracodos e foraminíferos, bem como 17 icnoespécies (marcas deixadas pelos animais na sua actividade)”, atribuídas a comportamentos de invertebrados e vertebrados.

Nesta jazida, “descreveu-se a primeira evidência, no registo fóssil mundial, de marcas de locomoção de um crinoide [lírio- -do-mar] após se ter destacado do substrato”.