Abertura

Imprensa regional sobrevive estrangulada

13 dez 2019 08:00

Media | No último ano, o Presidente da República tem alertado para a crise nos media, afirmando que "sem comunicação forte não há democracia forte. A comunicação social em crise é democracia em crise e isso significa caminho aberto para outras fórmulas", alerta

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Leiria é o terceiro distrito onde se consome mais imprensa regional
Ricardo Graça
Jacinto Silva Duro

De acordo com o Presidente da República, o principal problema com que se depara a imprensa é o económico-financeiro e dá como exemplo a imprensa local e regional que sofre “um crescente estrangulamento” e resiste com “extremas dificuldades”.

Marcelo Rebelo de Sousa insiste na urgência de medidas devido ao risco de que sobrevivam apenas aqueles “com financiadores mais fortes”, levando a fortes implicações na pluralidade e na qualidade da Democracia, diminuída no seu “quarto poder”.

Apesar dos alertas do Presidente e dos própria media, o secretário de Estado dos Media, Nuno Artur Silva, afirmou recentemente que, no Orçamento do Estado para 2020, não haverá medidas de apoio.

Na última edição do Festival Literário de Fátima, Tabula Rasa, também Paulo Agostinho, editor da Lusofonia e África da Agência Lusa afirmou que se fosse autarca, investiria, desinteressadamente, o triplo nos jornais regionais, porque eles são fundamentais para a identidade regional. Se estes regionais acabam, acaba-se a identidade” e que não vale a pena pensar que os meios nacionais vão pegar no trabalho dos regionais, caso estes desapareçam. “O regional, aos ‘meios de comunicação nacional’, serve para fazer ‘planos de corte’ na televisão. Quando um político sai de Lisboa, as perguntas que lhe fazem não são sobre o local onde está, são sobre matérias nacionais.”

Esta semana a própria Lusa admitiu que, por dificuldades financeiras, poderá reduzir a sua cobertura regional.

Quando o quiosque era a agência de notícias

Em Leiria, a dois passos do Mercado de Sant'Ana, nos anos 70, 80 e 90, o "Augusto dos jornais" era uma espécie de agência noticiosa - bastante oficiosa - de Leiria. Não só sabia todas as novidades, como, todos os dias, tinha o quiosque cheio de gente a comprar os jornais do dia e os regionais, às quintas e sextas-feiras.

Na ausência de notícias que chegassem, via telemóvel e no conforto do lar, as pessoas eram obrigadas a sair de casa, quase em romaria, e procurar as novidades nas "gordas" e nas "miúdas" dos jornais e revistas. Era um ritual diário. Discutia-se a bola, aquela trica política, os crimes e até por que razão os buracos na avenida teimavam em reaparecer dias após serem reparados.



O Augusto, pai de Celeste e de Paula Gaspar, que herdaram o quiosque, era uma espécie de mediador nas discussões mais acesas à volta dos artigos impressos nas páginas d'O Mensageiro, da Voz do Domingo, do Região de Leiria e do JORNAL DE LEIRIA. "Nos dias de mercado, as pessoas das aldeias juntavam-se aos habituais, todas à procura das notícias", conta Celeste que também chegou a ter uma loja dedicada à imprensa na outra ponta da cidade, junto ao antigo Hotel D. João III.

"Ao sábado, toda a gente discutia as notícias." No quiosque, conta, chegaram a vender mil exemplares do Correio da Manhã, ao domingo, e o Expresso só se conseguia por encomenda. A concorrência de outros espaços acabaria por obrigar Augusto e as filhas a mudar o negócio e a acabar com a venda de imprensa. Entre tirar um café e servir uma coxinha de galinha, Celeste diz ter a sensação de que, dantes, havia mais informação nos jornais regionais.

Distritos onde mais se lê
Segundo um estudo levado a cabo pelo Bareme Imprensa, realizado pela Marktest e promovido pela Meio Regional, divulgado em 2010, a maioria dos leitores de imprensa regional são, na maioria, homens, entre os 25 e os 44 anos, das classes média alta e baixa.

Residem no litoral norte, litoral centro e interior norte e são trabalhadores qualificados.

Castelo Branco (74,7%), Santarém (73,4%) e Leiria (70,1%) são os três distritos que registam os maiores índices de hábitos de leitura de publicações regionais, estando no quadrante oposto os distritos de Lisboa (35%), Bragança (37,6%) e Porto (38%).

Já na "Edite", o consumo de imprensa escrita, que era o forte do negócio, foi soterrado pela febre do raspa-raspa. A proprietária explica que até teve de fazer obras e mudar o balcão para conseguir satisfazer a procura pelo dinheiro instantâneo. Acompanhada pela incessante banda sonora de bips saídos da máquina de registo do Euromilhões, Edite Neto diz que, hoje, vendem-se menos jornais devido à internet.

"Mas ainda há alguns clientes fiéis que vêm cá à procura dos jornais, muitos deles em busca de ofertas de emprego e de esta ou aquela revista, ou quando uma empresa ou pessoa são referidas numa notícia."

Fogo-de-artifício

“Num mundo marcado pelas fake news, com campanhas de intoxicação que abrem a porta ao populismo, o papel da Imprensa é mais importante do que nunca”, diz o director do semanário Região de Leiria. Francisco Santos sublinha que, numa era onde a propaganda ameaça a informação, “o papel da imprensa é insubstituível”.

“O direito à informação é o garante do pluralismo, da liberdade de opinião, da democracia”. No entanto, o responsável afirma que o Estado foi “secando receitas da imprensa por via administrativa”, ao mesmo tempo que os grandes motores de busca se apoderaram dos conteúdos produzidos pela imprensa.

“E chegámos aqui. A um estádio muito frágil onde cada vez é mais difícil a imprensa cumprir o seu papel. O problema não é apenas uma questão das empresas jornalísticas e dos jornalistas, é sobretudo um problema da sociedade e do regime democrático.” Francisco Santos assegura que as ajudas reclamadas pelo sector não são subsídios atribuídos por avaliação política ou favores de circunstância, mas medidas sérias e estruturadas que promovam o papel e a responsabilidade da imprensa.

Há muitos casos de autarquias que, mais rapidamente, gastam milhares de euros em fogo-de-artificio do que investem na imprensa da sua região 
Francisco Santos, director do Região de Leiria


“A imprensa tem de estar nas salas de aula, mas também junto de grupos menos esclarecidos ou desfavorecidos. Além do Estado, também as autarquias devem apoiar a imprensa. Há muitos casos de autarquias que, mais rapidamente, gastam milhares de euros em fogo-de-artificio do que investem na imprensa da sua região. As empresas e a sociedade em geral têm de olhar para a imprensa como um garante da democracia e um factor de desenvolvimento das comunidades.”

Apoio através dos jogos da Santa Casa

“Há um elefante na sala sobre o qual ninguém quer falar que é a falta de dinheiro nos jornais regionais, motivada pela quebra das receitas publicitárias, da diminuição de leitores e assinantes”, diz Paulo Ribeiro.

O presidente da Associação da Imprensa Cristã (AIC), entidade que congrega 180 títulos, com mais de dois milhões de publicações mensais, explica que o cenário piorou uma situação já complexa espoletada, há alguns anos, pelo fim da publicidade institucional de actos públicos, como as hastas e as escrituras, aliado ao abaixamento abrupto do porte pago, de 90 para 40%.



Num trabalho conjunto entre a AIC e a Associação Nacional de Imprensa (API), que representa, cerca de 95% da imprensa portuguesa, foram sugeridas dez propostas de apoio financeiro aos media regionais (ver caixa), com resultados imediatos, à Comissão Parlamentar de Cultura e Comunicação, da Assembleia da República, e ao secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, Nuno Artur Silva.

“Propusemos que 25% da publicidade dos jogos de fortu- na e azar da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, seja alocada à comunicação social regional. Ou seja 1,5 milhões para os meios regionais anualmente”. A ERC está a analisar esta proposta que ganhou maior importância após Nuno Artur Silva ter dito que, no Orçamento do Estado deste ano, não haverá apoios aos meios regionais.

“Enviámos uma carta a explicar que deixar o assunto para 2022, é tarde e que envolver a Santa Casa seria uma medida rápida e sem pressão sobre o Orçamento de Estado.” Circulação dos regionais é maior do que a dos nacionais João Palmeiro, presidente API, refere que, enquanto os jornais nacionais perderam cerca de 42% dos assinantes, os regionais reduziu 9%.

O responsável refere ainda que, no investimento publicitário, a nível nacional, a perda foi de 60%, mas que, por extrapolação – uma vez que os dados constantes no último estudo do INE não especificam -, a imprensa regional tem valores mais positivos.

“Isso acontece devido à proximidade dos anunciantes, que conhecem as mais-valias do veículo regional. Porém essa proximidade também é uma ameaça. Os 9% perdidos poderão ter sido assinantes que faleceram e deixaram de renovar as assinaturas. O que significa que não há novas assinaturas a serem feitas.”

Palmeiro faz notar que, como os esforços dos Governos têm sido para tornar as PME mais activas no mundo digital, estas irão começar a solicitar uma oferta de espaços publicitários, que a maior parte dos regionais não têm para oferecer. “E se tiverem, não estará devidamente estruturada permitindo ao Google, Facebook ou Sapo ficar com esses anunciantes.”

O presidente da API diz que “desde o segundo Governo Sócrates, todos os Executivos nos têm mandado passear”, quando se fala de criar fundos de apoio à imprensa regional tradicional, enquanto promotora da identidade local e da salvaguarda dos interesses das populações.

“Isto corresponde à corrente europeia que empurra os Estados-Membros para o digital. Apostam na comunicação digital e entendem que o papel é um empecilho. Como o Governo prefere não investir directamente no apoio à imprensa local, descobrimos na Holanda um fundo criado com dinheiros públicos, gerido por universidades e instituições, que poderia ser o modelo adoptado em Portugal. Mas, no nosso País, não há uma cabeça política capaz de entender isto. Há o Presidente da República, mas ele está a gastar-se com este assunto.”

Entre as medidas de futuro, aponta a possibilidade de juntar a oferta publicitária da imprensa regional, cuja circulação combinada, “será maior do que a dos nacionais, tornando os regionais competitivos”.

Porém, para atingir esse objectivo, salienta que teria de acontecer uma flexibilização do “dia de saída dos jornais”, pois muitos deles só chegam às bancas uma vez por semana ou a cada 15 dias, tornando-os pouco apetecíveis para as, cada vez mais curtas, campanhas publicitárias.

A API, que controla cerca de 200 publicações, revela que, em 2018, destas foram expedidos pelos correios 15.236.206 Jornais e Publicações Periódicas (JPP). “Estes títulos são os de maior significado em número de assinantes, considerando nós que as restantes publicações possam expedir mais 20% de exemplares”, explica Vítor Brás, da API, que adianta que “como o total de JPP expedidas pelos Correios é de cerca de 30 milhões de exemplares, a imprensa regional representa cerca de 60% do tráfego para assinantes”.

PROPOSTAS DA AIC 1

1 – Cumprimento efectivo da Lei da Publicidade Institucional (Lei n.º95/2015, de 17 de Agosto) por parte do Estado e alteração da mesma com abaixamento dos 15 mil para cinco mil euros da obrigatoriedade de comunicação das campanhas publicitárias à ERC por parte das entidades públicas;

2 – Definição da obrigatoriedade de publicação, nos jornais regionais, da publicidade dos actos oficiais dos tribunais, conservatórias e do Portugal 2020; 

3 – Combate à Iliteracia: o Estado, como garante da promoção cultural e educativa, deve subscrever assinaturas de jornais regionais para que sejam distribuídos a agrupamentos de escolas;

4 – Aumento da comparticipação do Porte Pago de 40% para 80%, com majoração de 10% para os territórios menos desenvolvidos e para 90% para a Diáspora;

5 – Dedução, no IRS, das assinaturas de jornais e revistas até 100 euros/ano para potenciar o aumento de leitores e a maturidade democrática;

6 - Despesas com publicidade na comunicação social regional e local, para efeitos de tributação em sede de IRC, no valor correspondente a 150%, para potenciar o aumento de clientes a anunciarem nos jornais;

7 – Inserção de Propaganda Eleitoral nos meios regionais;

8 – Intervenção do Estado para o reconhecimento do justo valor dos conteúdos produzidos pelos órgãos de comunicação e disseminados por agregadores de conteúdos;

9 – Criação de incentivo à substituição do invólucro em plástico; 10 – Combate às falsas notícias (fake news).

“O jornalismo depende da democracia”

Paulo Querido, antigo jornalista e docente universitário, acredita que, comparativamente à imprensa nacional, "a regional tem mais oportunidades de futuro devido à proximidade e relações de afectividade.

"Em regiões como Leiria, Algarve e Aveiro, com uma actividade económica mais pujante, a imprensa regional faz sentido e até pode ser robustecida. Na Aldeia Global onde vivemos, o público valoriza mais a informação regional com um mínimo de apresentação e de qualidade do que a internacional e nacional. É um 'produto' mais raro e tem um valor superior."

Acredita que, mais tarde ou mais cedo, esse valor superior irá traduzir-se em receita. "Infelizmente, não tenho a resposta para o modelo de negócio necessário." Em relação ao que o Presidente da República tem dito, entende que a democracia não depende do jornalismo.

"O jornalismo depende da democracia. Ela não está nas ruas da amargura devido ao mau jornalismo. A crise da democracia, supondo que ela existe, é anterior à do jornalismo e uma coisa nada tem que ver com a outra." O docente diz que há uma corrente que pretende que seja o Estado a sustentar “o negócio”.

"Nem sequer seria sustentar o jornalismo ou para definir regras. O que se pede é que o Estado entre com apoios directos aos grandes grupos de media que dizem estar em crise, mas não estão. Têm dinheiro para contratar vedetas e fazer investimentos. É verdade que há alguns jornais com dificuldades, que há uma modificação no consumo da informação, mas há hoje mais canais de informação e até no papel, do que há 20 anos."

"Vejo com maus olhos o Presidente da República andar a servir de caixeiro viajante dos interesses de dois grupos de media e a tentar que o Estado os proteja ainda mais."

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