Sociedade

Leiria, cidade anti-tourada

29 set 2015 00:00

"Talvez haja um momento de sofrimento quando são cravadas as bandarilhas, mas se bem cravadas têm o mesmo efeito que a agulha da seringa num ser humano. São apenas uns segundos, quando o touro se abana para tentar soltar os ferros. Quem não gosta, não precisa de ver."

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A opinião de Victor Manuel Antunes Ferreira Elias

Não fui constituído advogado de defesa do touro Saltitão nem da sua descendência, que pasta, pachorrentamente, na Herdade dos Machados, aguardando o dia em que irá ser  posta à prova a sua bravura numa qualquer praça de touros do País... e não só. "Ele"  tomou para si as dores daquilo que escreveu a excelsa Paula Lagoa [edição 1625, 3 de Setembro], em nome do Movimento Anti Touradas, que preconiza uma Leiria "limpa" dessa vergonha nacional que são as corridas de touros (?).

No dizer de Catarina Mamede, autora da carta e porta-voz dos subscritores: “Não entendo como é que uma cidade que ainda há pouco tempo assumia a possibilidade de ser Capital Europeia da Cultura autoriza este tipo de eventos. Nunca houve nada disto por cá, não faz sentido começar a haver agora”. O documento, explica Catarina Mamede, “tem o objectivo de fazer ver à câmara que há pessoas que são contra e que se vão manifestar nesse  sentido”, que “se noutros lugares pouco ou nada se consegue fazer por causa da desculpa da tradição, aqui esse argumento não existe, portanto, é preciso parar com isto já, antes que a tradição se alastre, em vez de se extinguir, que é o que devia acontecer”.

Ora ainda existem umas ruínas daquela que foi a Praça de Touros de Leiria, onde o signatário viu extraordinárias corridas de touros, nelas tendo actuado alguns dos melhores cavaleiros tauromáquicos de sempre, como Simão da Veiga, João Branco Núncio, Ribeiro Telles, D. Francisco de Mascarenhas, José Casimiro, os leirienses irmãos D. Luís e D. José Ataíde, Manuel dos Santos, Diamantino Viseu e tantos outros que ali se encheram de glória.

Mesmo após a triste ideia de demolir a Praça de Touros, sem que outra fosse construída, porque a Câmara não quis dar à praça um tratamento diferente do que fez com o Teatro Dona Maria Pia, ainda houve algumas corridas de touros, por exemplo no Largo de Infantaria 7 ou Santo Agostinho, para além de outros locais.

Apresentam alguns argumentos contra: Os touros são animais com direitos como os outros! Também as espécies que fazem parte da fauna destinada a caça é detentora desses direitos... e não vejo que lhe seja concedido um estatuto como o preconizado para o touro de lide; A tourada é um espectáculo medieval. Com isto se demonstra haver uma ancestralidade, que tem vencido o tempo e chegou aos nossos dias como um marco cultural eivado de tradição.

Enforcar pessoas também foi tradição e aboliu-se. Não vamos misturar justiça com entretenimento para as pessoas, como diz, sendo ridículo dizer-se que também deve ser extensiva aos touros.

Nenhuma tradição legitima o sofrimento físico e psicológico de um ser vivo. Qual é o grau de sofrimento que poderá ser atribuído a uma lide? Já foi medido? Havendo tantos psicólogos desempregados, é uma oportunidade de trabalho para parar os pobres do
touros. Contrariam o sentido humanista que se quer da cultura. O sentido humanista da cultura é contrariado? Porquê? Porque o touro tem prerrogativas iguais às do Homem, que sofre horrores nas fugas de migrantes da Síria, do Paquistão, da Sérvia... que não estão a ser tratados como seres humanos, havendo quem prefira fazê-lo aos touros.

Argumentos a favor: É tradição e cultura que deve ser preservada. Sem dúvida nenhuma!; Previne a extinção dos touros bravos. O fim das corridas de touros leva a que os 'ganaderos' deixem de criar este animal, ditando-se assim a sua extinção, porque é um
animal de lide, não apto para trabalho, que exige um trabalho aturado na sua criação. O touro não sofre.

Talvez haja um momento de sofrimento quando são cravadas as bandarilhas, mas se bem cravadas têm o mesmo efeito que a agulha da seringa num ser humano. São apenas uns segundos, quando o touro se abana para tentar soltar os ferros. Dá emprego a muita
gente. Aqui nem preciso dizer que é verdade: os maiorais, os campinos, os moços dos currais, os veterinários, os cerealistas, os encarregados das tentas, os cavaleiros, os espadas, os peões de brega, os matadores, os novilheiros, os praticantes, etc...etc.
Quem não gosta não precisa de ver.

Esta é uma verdade tão grande como o mundo. Jamais alguém me levará a ver aquilo que não quero. Leiria cidade sem tourada? Já lhe tiraram tanta coisa, já foi tão descaracterizada que ninguém levará a mal que sejam agora as touradas a serem proibidas... para fazer o jeito a tantas pessoas que não têm noção do que é tradição, do que é arte, do que é cultura seiscentista, ainda que agora se tenham virado para as
feiras medievais... que não têm tradição cultural tão arreigada como as touradas.
Como leiriense e antigo forcado … frustrado, apenas vos peço: haja moderação no que às touradas respeita… respeitando-se aquelas pessoas que são aficcionadas, sem as arruaças costumadas nos dias de corrida.

Carta do leitor Victor Manuel Antunes Ferreira Elias, reformado militar, natural de Leiria, residente em Mem Martins - Sintra