Viver

Leiria no século XIX

14 jun 2016 00:00

Ricardo Charters d’Azevedo

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“Um sol ardente Julho crestava a austera e esguia fachada da velha Sé. A Missa do meio-dia, lenta e sonolenta acabara finalmente e o grande reposteiro vermelho da porta principal afastado consecutivamente pelas mãos suadas da multidão devota, ondulava como um pendão ao vento.

Era um enorme formigueiro humano que ao sair se dirigia apressadamente em todas as direções. As mulheres, vestindo os seus trajes domingueiros e garridos, escondiam levemente a sua natureza forte que se adivinhava pela tumescência dos seios e na maternidade das ancas.

Os homens soberbos de virilidade pegavam nos varapaus luzidios com aprumo e atitudes dos antigos lusitanos empunhando as lanças. E toda aquela multidão borbulhava vistosa e colorida, bulhenta e ofegante.

Ouvia-se o tropel sonoro de passadas rijas sobre o lajedo puído do adro, um rumorejar abafado das vozes, num respirar opresso de turba saindo sob a ardência dum sol intenso. Os garotos correndo num vaivém endiabrado vinham esbarrar gritando, de encontro às pernas daquela gente amolecida pelo calor, que se indignava com exclamações de cólera, enquanto as andorinhas, chilreando alegres, ziguezagueavam no seu voo o azul sereno e leve do céu iluminado.

A um canto do pequeno largo fronteiro á igreja, à sombra de duas pequenas árvores, os cavalos fartos, atrelados ao landau, escavavam o solo, impacientes. Apenas o tempo despejou a turba, começaram a sair lenta e quase ritmicamente em grupos, as senhoras afidalgadas da terra que enviavam aos seus conhecimentos saudações molhadas com sorrisos de simpatia falsa.

Depois lá seguiam para suas casas criticando o gosto das toiletes, epigrafando a vida privada de todos, e se por acaso havia escândalo nunca se esqueciam de maldosamente amostardar a sua história. "

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