Sociedade
Leirienses em Itália deixam avisos sobre Covid-19 (e cantam nas varandas)
Os testemunhos de quem vive num país em quarentena obrigatória, com 1.266 óbitos provocados pelo novo coronavírus
Para aliviar o sentimento de reclusão, há música. “Na nossa rua, começaram a tocar guitarra e outros instrumentos. Estamos à janela e nas varandas a cantar juntos e a aplaudir”, conta Alina Mansukhlal, estudante de mestrado (Filosofia) em Turim.
Com Itália em quarentena obrigatória, os avisos de leirienses que lá vivem são preocupação genuína de quem não quer Portugal a cometer os mesmos erros.
“Os italianos estão, finalmente, a perceber que a única forma de ultrapassar [a pandemia] é cumprir as regras”, afirma ao JORNAL DE LEIRIA.
O trabalho (part-time na universidade, babysitting e sessões fotográficas) que Alina mantinha em simultâneo com as aulas está em suspenso e a vida também.
Em Itália, ninguém sai de casa excepto por motivos justificados e há polícia nas ruas a zelar pelo isolamento, válido para todo o país.
Entre os 1.266 óbitos em Itália provocados pelo novo coronavírus, está a avó de um amigo de Alina Mansukhlal. A portuguesa natural de Leiria acredita que é “o momento para reflectir na nossa condição como indivíduos no mundo”, porque todos temos “uma responsabilidade colectiva” e “as acções perante os outros podem mudar uma situação que é global”, enquanto “o egoísmo” se torna “destrutivo”.
De Itália, chegam testemunhos dramáticos, de médicos e não só, sobre o surto de Covid-19. A televisão, os jornais, os telemóveis enchem-se de relatos e apelos em que prevalece a emoção.
“É a pura realidade”, explica João Miguel Ferreira, que vive e trabalha em Milão, na Lombardia, o epicentro do contágio em Itália. “A situação é realmente grave. Neste momento, nos hospitais, devido à falta de recursos, têm de decidir se dão um auxiliar respiratório, um ventilador, a uma pessoa de 30 ou 40 anos ou a uma pessoa de 60 anos. É [do] que estamos a falar”.
Nem a proporção de infectados – em Itália contam-se 60 milhões de habitantes e 17.660 diagnósticos relacionados com o novo coronavírus – muda a perspectiva.
“O problema é que o sistema de saúde não está preparado para receber um conjunto de doentes de forma tão exaustiva em termos quantitativos”, salienta o consultor da Ernst & Young, natural de Leiria, que vai na terceira semana a trabalhar à distância – a empresa antecipou-se às medidas do governo italiano – e só trata com clientes e colegas de equipa via telemóvel e computador.
“Nós, os latinos, temos a mania de que somos rebeldes. Se os profissionais de saúde alertam, é por algum motivo. O governo [português] não está a actuar sozinho, está em coordenação com a Organização Mundial de Saúde. Temos de respeitar. E cada um de nós deve ser responsável e ter noção de comunidade e bem comum”, salienta.
Mais a sul, na comuna de Salerno, Sílvia Pereira fala de carros de polícia que passam de vez em quando com altifalantes e a mensagem a lembrar o estado de alerta e as medidas de prevenção a adoptar pelos cidadãos.
Ir à rua só ao supermercado mais próximo, farmácia ou médico, as excepções prendem-se com actividades essenciais e implicam justificação por escrito.
“Não aligeirem isto, não tem nada para aligeirar. Não cometam os mesmos erros que os italianos cometeram”, avisa Sílvia Pereira, originária da Batalha.