Economia
Literacia financeira passa a integrar currículo do pré-escolar
Os educadores passam a dispor de um novo Guião que os ajuda a promover noções sobre dinheiro, poupança e ética

Os educadores de ensino pré-escolar receberam durante o primeiro trimestre do ano um novo “Guião para a Educação Financeira na Educação Pré-escolar”, uma iniciativa do Plano Nacional para a Formação Financeira (PNFF).
O documento visa estimular os docentes a criar actividades que promovam a consciência sobre o valor do dinheiro nas crianças mais pequenas.
A gestão do dinheiro “faz parte da vida”, e desde muito cedo as crianças começam a perceber os impactos dele nas dinâmicas familiares, refere Lurdes Mata, uma das autoras do Guião, em declarações ao JORNAL DE LEIRIA.
Para a especialista em educação pré-escolar, com trabalho desenvolvido nas orientações curriculares para este nível de ensino, introduzir nesta fase a literacia financeira não é “precoce”.
“A forma como se faz é que pode não ser ajustada”, considera, daí as três autoras terem apostado num “Guião” para os docentes, adaptável a diferentes circunstâncias e contextos, e não num formato de “Manual”.
As crianças são “curiosas” e “competentes”, reflecte, gostam de explorar, e as aprendizagens devem ser realizadas no âmbito das brincadeiras, de forma “holística”, estimulando-se assim a reflexão.
Lançado o desafio pelo PNFF para o pré-escolar, as autoras constataram que “não havia material nenhum”.
Após várias reuniões de discussão, a solução que fez mais sentido para as três profissionais foi a criação de um documento de orientação, que pudesse ser integrado no restante currículo, de forma a “haver continuidade”.
Dar ideias aos professores e estratégias que possam ser implementadas é portanto o objectivo, num currículo que não se pretende fechado, mas “emergente”, “que parte das necessidades do contexto e das preocupações das crianças e dos profissionais”.
“Um dos grandes objectivos deste guião é alertar ou tornar mais visível aos educadores objectivos que podem estar integrados nas suas práticas” e que possam estimular de alguma forma a reflexão das crianças, sublinha.
O Guião encontra-se disponível para download no portal Todoscontam.pt.
Para além das orientações gerais, apresenta alguns projectos práticos em que a literacia financeira foi introduzida nas dinâmicas de aprendizagem.
Um desses exemplos é o de uma escola que, no âmbito de uma actividade sobre animais, acabou por ir visitar uma associação de defesa local.
As crianças tomaram conhecimento sobre as necessidades de alimentação e medicação dos animais e as formas como poderiam contribuir, ou pagando quotas ou através de programas de apadrinhamento, em que podiam ir brincar com os animais.
A nível temático, o guião encontra-se focado no “Planeamento e gestão de orçamento: necessidades e desejos; despesas e rendimentos”, nos “Produtos financeiros básicos: meios de pagamento”, na “Poupança: objectivos” e na “Ética e Cidadania”.
O foco global destas medidas é apoiar os professores na implementação do “Referencial de Educação Financeira”, uma colaboração entre o Ministério da Educação e Ciência e o PNFF.
Criado em 2011, o PNFF é uma iniciativa do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, composto pelo Banco de Portugal, pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e pelo Instituto de Seguros de Portugal, que “pretende contribuir para elevar o nível de conhecimentos financeiros da população e promover a adopção de comportamentos financeiros adequados”, refere a informação disponibilizada pelo Referencial.
Segundo a coordenadora do departamento Pré-escolar do Agrupamento de Escolas Domingos Sequeira, Paula Costa, o primeiro impacto deste Guião junto da equipa docente foi positivo.
“A equipa referiu que é importante desenvolver a literacia financeira nas crianças desde muito cedo porque o “dinheiro”, o “querer brinquedos”, os “pais terem de trabalhar para ter dinheiro”, fazem parte do seu dia-a-dia, das suas vivências e também das suas brincadeiras”, adiantou ao JL.
O agrupamento encontra-se neste momento a planear as actividades que possam integrar estas novas orientações.
Conforme sublinha, entre os 3 e os 6 anos “é quando, muitas vezes, pela primeira vez as crianças são confrontadas com a importância do dinheiro. Sobretudo quando as crianças estão em fase de adaptação e o desapego da mãe/ pai é difícil, dizemos, algumas vezes: — Tens de ficar na escola porque a mãe/pai tem de ir trabalhar para ganhar dinheiro e poder comprar-te um brinquedo. As crianças pensam, muitas vezes, que o dinheiro está na ‘parede’ (multibanco) e que basta ir lá com um cartão que sai dinheiro. Também pensam que podem ter tudo o que querem porque não têm noção da finitude do dinheiro. É, portanto, nesta fase que a criança deve ter as primeiras noções sobre este tema. Estas noções são dadas de forma gradual, transversal e com intencionalidade educativa”.
Alguns jardins-de-infância já têm experiência com projectos que acabam por envolver a educação financeira, como a iniciativa “As aventuras na Quinta”, integrada no Programa Intermunicipal de Promoção do Sucesso Escolar (PIPSE).
“De uma forma transversal, a literacia financeira foi sempre trabalhada quando trabalhamos as diferentes áreas de conteúdo. A partir deste momento continuaremos a desenvolver estas aprendizagens e desenvolveremos actividades que envolvam a literacia financeira de forma mais sistemática e intencional. Teremos uma intencionalidade educativa mais reflectida estando mais conscientes da importância da aquisição destes conhecimentos para o desenvolvimento integral e harmonioso da criança”, conclui.