Viver
Lobo, Ortas e Leão: apelidos judeus que projectaram Leiria na cultura
Projecto da Rede de Judiarias de Portugal vai incluir a Casa dos Pintores num novo roteiro.
Mais de 500 anos passados desde a destruição da sinagoga de Leiria, a herança deixada por judeus (e cristãos novos) continua viva e quase todos os dias a relacionamos com as nossas rotinas. Sobretudo, no campo das letras.
Abraão d'Ortas, Manuel de Leão e Francisco Rodrigues Lobo, nomes que já ninguém apaga, conquistaram território na história do livro, da prosa e da poesia, daí as estátuas, placas e referências na toponímia da cidade, a que hoje têm direito.
Agora parece impossível, mas em tempos algumas ruelas do centro histórico isolavam-se atrás de portas durante a noite, na zona entre a Praça e a encosta do Castelo.
Se há período áureo na presença judaica em Leiria, enquanto comunidade com fronteiras e características próprias, ele acontece no século XVII – à época, a judiaria "tinha uma dimensão razoável e era muito buliçosa em termos de comerciantes e físicos [médicos]", descreve o historiador Acácio de Sousa. Era "activa, dinâmica e produzia bons rendimentos".
Entre esses habitantes, encontramos Manuel de Leão, um judeu português nascido em Leiria que viveu na primeira metade do século XVII (e princípios da seguinte), também citado no Dicionário de Autores do Distrito de Leiria como Manuel de Leam.
Por voltas do destino, ou "receio dos rigores da Inquisição", refere Agostinho Gomes Tinoco, naquela colectânea, acabou emigrado em Flandres e na Holanda – e são raros os exemplares das suas obras existentes em Portugal.
Perito em letras, mitologia e poética, deu a publicar títulos como Triumpho Lusitano, um poema em estilo jocoso, El Duelo de Los Aplausos, escrito em espanhol e dedicado à alteza de Soissons y Saboia, e Gryfo Emblemático, num registo típico da época, carregado de alegorias e alusões obscuras que cabe ao leitor decifrar.
Algumas décadas depois de Manuel de Leão, em 1579, nasceu Francisco Rodrigues Lobo, provavelmente o maior poeta e prosador a que a cidade pode chamar filho. Os pais eram cristãos-novos e moravam ao cimo da actual Rua Comandante João Belo.
Sobre a morte do escritor, em 1621, durante uma travessia de barco no rio Tejo, há várias teorias, incluindo a tese de que morreu devido às suas origens familiares. É conhecido um auto da Inquisição em que os irmãos aparecem citados, refere Acácio de Sousa.
No entanto, não se encontram nos escritos marcas assinaláveis da sua condição. "O que não surpreende; manifestações desse tipo tinham consequências fatais", afirma Carlos André, coordenador do Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa no Instituto Politécnico de Macau e ex-director da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
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