Viver

Nos bastidores do Nascentes prepara-se um festival que leva música e petiscos para o rio

28 jun 2022 21:00

Fontes, a aldeia do Lis, vai receber concertos, artes plásticas, gastronomia e oficinas para crianças

Vasco Silva, Gui Garrido e, sentados, Francisco Sousa e Rui Sousa, membros da organização do Nascentes
Vasco Silva, Gui Garrido e, sentados, Francisco Sousa e Rui Sousa, membros da organização do Nascentes
Ricardo Graça
Revestimento do contentor no parque de merendas, obra do Nascentes
Revestimento do contentor no parque de merendas, obra do Nascentes
Ricardo Graça
Ilda Vieira, voluntária na organização do festival
Ilda Vieira, voluntária na organização do festival
Ricardo Graça
Zona do rio Lis que vai receber actividades do Nascentes
Zona do rio Lis que vai receber actividades do Nascentes
Ricardo Graça
Francisco Sousa, presidente da ACRNL
Francisco Sousa, presidente da ACRNL
Ricardo Graça
O programa leva concertos a locais inéditos, incluindo hortas
O programa leva concertos a locais inéditos, incluindo hortas
Ricardo Graça
Fernando e Céu, dois dos novos moradores das Fontes
Fernando e Céu, dois dos novos moradores das Fontes
Boa parte das propostas do Nascentes acontecem junto à sede da ACRNL
Boa parte das propostas do Nascentes acontecem junto à sede da ACRNL
Ricardo Graça

(Texto publicado originalmente na edição em papel do JORNAL DE LEIRIA de 23 de Junho de 2022)

Aproxima-se o grande dia e o aviso na esplanada da Associação Cultural e Recreativa Nascente do Lis lembra que o tempo já está em contagem decrescente.

“Informamos que dia 23 de Junho pelas 21 horas vai haver reunião de voluntários do festival Nascentes aqui na ACRNL”.

As reuniões preparatórias começaram há um ano e o espírito comunitário vê-se em trabalhos no terreno desde há quatro meses, numa parceria entre a população das Fontes e um grupo de artistas, produtores e programadores de Leiria, alguns deles com ligações à aldeia.

Primeira decisão: retomar as festas, que devido à pandemia aconteceram pela última vez em 2019, organizar as festas e também o festival, em dias diferentes, ou abdicar das festas por um ano para fazer acontecer o Nascentes? Vingou a última hipótese e entre quarta-feira, 29 de Junho, e domingo, 3 de Julho, o programa inclui petiscos e concertos em mesas e palcos instalados sobre o rio Lis, actividades para crianças que cruzam as artes e a consciência ambiental, jogos, uma caminhada, mas também uma jantarada ao ar livre na estrada do largo da capela e música de improviso na adega do Luís.

O café da ACRNL é o cenário para a união entre os criadores do primeiro Nascentes (em 2021) e os habitantes das Fontes. “Começaram a ser os nossos meninos. São nossos clientes diários e de vez em quando fazem aqui umas cantorias”, conta Ilda Vieira, que vai abrir o terraço de casa para o concerto do projecto A Voz do Rock, que reúne vários seniores, vindos de Viseu. “Uma coisa que notamos é que estamos a ser falados por todo o lado”, diz ao JORNAL DE LEIRIA. “Quero acreditar que vamos ter coisas boas, positivas”.

Francisco Sousa, sobrinho de Ilda, é o presidente da associação e vai ficar responsável por coordenar o serviço de bar. Como nas tradicionais festas da aldeia, boa parte da acção desenrola-se, literalmente, em cima do rio, sobre o chão de madeira, que já está montado, com capacidade para 250 pessoas sentadas, em simultâneo. “Vamos ter grelhados mistos, caracóis, moelas, ossos e orelha”, adianta. Saber que o lugar onde se inicia o percurso do Lis atrai cada vez mais turistas e visitantes de fim-de-semana ainda satisfaz quem lá vive. “É o nosso maior orgulho. Tentar preservar para os outros poderem usufruir”.

As sessões de discos e petiscos abrem com alguém da terra a passar som: Emídio Prior. Mas é ali, também, que vão actuar os Bandua, duo que está a reinterpretar o cancioneiro da Beira Baixa através da electrónica e a somar elogios da crítica e do público mais urbano com o álbum de estreia lançado este ano.

Não muito longe, só alguns metros, há outro palco na água a pairar como ilha, que é o aproveitamento de uma plataforma construída durante a pandemia para os banhos das crianças. Muito provavelmente, vai receber os Whales, banda de Leiria que navega em sons contemporâneos e regressou recentemente da Coreia do Sul.

Para o primeiro Nascentes no formato festival – como também sucede sempre que há festas – “o rio é limpo” e “açudado”, explica Ilda Vieira. Ao todo, os bastidores do evento envolvem cerca de 30 pessoas que moram ou já moraram nas Fontes. E muitos deles tiram férias de propósito para ajudar.

“A associação é um pólo fundamental”, realça Gui Garrido. “A ideia dos discos e petiscos também é desafiar as pessoas a dizer quais são as músicas que gostariam de ouvir”. O director artístico do festival Nascentes é um recém-chegado às Fontes, onde comprou casa, tal como Céu e Fernando, pais de um músico dos First Breath After Coma, que vão tocar na nascente do Lis. Ou, ainda, Inês Bernardo e João Maneta, outros novos habitantes da aldeia, ele a apresentar- se em trio jazz na eira da dona Lúcia e ela com actuação prevista na grota, com Nuno Rancho.

Estão também agendados concertos de Labaq e Pedro Melo Alves no jardim da Céu e do Fernando e de Ana Luana Caiano na horta da dona Maria dos Anjos, entre outros locais.

A aldeia do Lis volta este ano a receber o Nascentes (Foto de Ricardo Graça)

“Expectativas altas”, admite Francisco Sousa. Ele e outros voluntários estão a construir um baloiço e já concluíram a tarefa de revestir com madeira o contentor no parque de merendas – um domingo de trabalho, em que se consumiram vários quilos de bifanas e algumas dezenas de cervejas.

Outro melhoramento realizado especificamente para o Nascentes é o parque de estacionamento com 10 mil metros quadrados.

Rui Sousa, acostumado a organizar as festas das Fontes, com oito edições no histórico, reconhece que, desta vez, “é diferente”. O que não muda é o hábito de fechar temporariamente a oficina para se juntar ao esforço do colectivo que garante a celebração. Vai voltar a acontecer.

Em 2022, o Nascentes é, segundo Gui Garrido, “um reencontro de pessoas, lugares e paisagem”. É, também, uma oportunidade para o cruzamento entre artes, ecologia e partilha, um ponto de confluência onde se exaltam “diferentes sensibilidades” e se promove “a pluralidade”, refere num artigo publicado em Maio pelo JORNAL DE LEIRIA. O projecto da Omnichord pretende relacionar “artistas e espaços, natureza e criação, rasgo e tradição”.

No cartaz de música, há quatro espectáculos que resultam de outras tantas residências de criação que juntam Rui Gaspar e Surma, Labaq e Pedro Melo Alves, Pedro Marques e Ricardo Graça e o trio André Ramalhais, João Maneta e Paulo Bernardino.

Estão anunciados concertos de Gãrgoola, de 5ª Punkada (utentes da Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra que recentemente gravaram o álbum de estreia, editado pela Omnichord, de Leiria) e daquela que muitos consideram a banda mais importante de São Tomé e Príncipe: África Negra.

O festival dedica especial atenção aos mais novos e as propostas que lhes são dirigidas contemplam oficinas de expressão plástica, jogos didácticos e brincadeiras de rua. O concerto a desenhar por Inês Bernardo e Nuno Rancho suporta-se no cancioneiro infantil antigo e moderno.

O acesso a todas as actividades é gratuito, à excepção do jantar comunitário, sujeito a inscrição.

Na quarta-feira, 29 de Junho, dia inaugural, o programa abre às 19 horas na nascente do Lis com concerto de Rui Gaspar e Surma e prossegue às 20 horas com Pedro Melo Alves e Labaq no jardim da Céu e do Fernando, encerrando depois das 21 horas com discos e petiscos no exterior da ACRNL.