Economia
Nuno Roldão, vice-presidente da Anecra: “As fichas de aposta estão todas postas no tabuleiro dos eléctricos”
Vice-presidente da Anecra-Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel e administrador dos concessionários Audi, Volkswagen e Škoda no distrito, faz uma análise ao sector, fala das mudanças que estão a ser testadas pelas marcas na distribuição e uma antevisão para 2023
Comercialmente, que balanço faz, para o sector automóvel, deste ano que entrou agora na recta final?
Em relação a 2021, tínhamos tudo para que fosse um ano melhor, mas não o está a ser, sobretudo devido à crise nas matérias-primas e no fornecimento de viaturas. É assustador o número de vendas a clientes finais, com sinal dado e que estão à esperam de carro. A nossa empresa, a Lubrigaz, é um espelho do que se passa a nível nacional, e aqui a lista de espera ultrapassa os 300 automóveis. Tanto quanto sei, toda a rede de comércio automóvel a retalho, de qualquer que seja a marca, está nesta situação. Resumindo, em 2022, houve um ressurgimento da procura efectiva, mas verificou-se um défice na oferta do produto. Conclusão? Estamos num momento de angústia, que pode ser sentido por qualquer comerciante que tem procura, tem clientes e não tem produto para vender.
E há reflexo nos preços?
Essencialmente, o que tem acontecido nesse capítulo é que as marcas, no princípio desta situação, estavam a conseguir absorver os aumentos dos preços. Quando se fazia encomendas de viaturas, havia protecção de preço. O cliente fechava o negócio hoje e a viatura chegava passado um ano, mas o preço não era alterado e estava assegurado. Actualmente, as marcas já não conseguem assegurar a protecção de preço e o cliente tem de estar consciente de que poderá haver um aumento ou correcção do valor final para cima, pois, por um lado, a inflação está nos valores que sabemos e, por outro, os preços estão a galopar, impelidos pela crise das matérias-primas. No início do ano, a crise estava centrada no fornecimento dos microchips e outros elementos electrónicos vindos, maioritariamente da República Popular da China e de Taiwan, a situação ainda se mantém? A nova crise que se está a adivinhar virá do fornecimento de vidros. Os fornos por trabalharem a gás na produção, com a crise no fornecimento dos combustíveis, estão a ficar comprometidos. As marcas, neste momento, já têm dificuldades em ter armazenamento para fornecimento de vidros para as viaturas. Não há um momento de sossego no sector automóvel! Primeiro, foram os microchips, depois foi o fornecimento de alumínio, a seguir foi o magnésio e as baterias, agora são os vidros! Houve, até, um problema com as cablagens, como foi noticiado. De repente, descobrimos que a Ucrânia era um dos grandes fornecedores de cablagens para a indústria automóvel mundial. Eu não fazia ideia! É uma cadeia complexa e as matérias- -primas são tantas que, naturalmente, se há um percalço no caminho, como aquele que esta invasão russa da Ucrânia nos tem também trazido, regista-se logo uma dificuldade na cadeia de abastecimento de produto.
Perante esse cenário complexo, que perspectiva temos para 2023?
O que se adivinha, fazendo um exercício de projecção de expectativas, é mais do mesmo. Pessoalmente, não acredito que sejamos testemunhas de uma melhoria significativa no panorama. Haverá uma melhoria progressiva ao longo do ano, disso não tenho dúvida, mas sempre em terrenos muito negativos e de grandes dificuldades. Isso decorrerá, é certo, da adaptação gradual do mundo e da economia mundial a uma situação como a guerra na Ucrânia. Ninguém pensou que este conflito pudesse acontecer em pleno século XXI, foi uma surpresa para todos e, actualmente, não estamos a saber lidar bem com a situação. Parece-me que, em 2023, haverá uma adaptação do mundo económico à guerra. Esperemos que haja uma novidade e que se consiga negociar a paz. Se tal acontecer, iremos começar a recuperar muito rapidamente. Contudo, se assim não for, 2023 trará uma melhoria ligeira, em relação a 2022, só havendo retoma efectiva em 2024, sobretudo nos segmentos que estão a ter a maior procura, que são os dos eléctricos e dos híbridos. Está a haver uma dificuldade enorme na cadeia de abastecimento. Na generalidade das marcas estamos a falar de atrasos de 12 meses para entregar um carro e nem todos os clientes estão na disposição de ter de esperar tanto tempo.
Esses atrasos também acontecem devido à aposta na descarbonização e na indefinição quanto aos novos modelos que o sector viveu até recentemente?
Seguramente. Neste momento, as fichas de aposta estão todas postas no tabuleiro dos eléctricos! É essa a aposta de praticamente todas as marcas. Mas também há quem tente afirmar alternativas, nomeadamente no hidrogénio. Sim, há. A Toyota lançou recentemente o Mirai, com um motor de hidrogénio, mas há mais marcas a trabalhar nessa alternativa. No imediato, porém, para a descarbonização, a solução passa pelas baterias de lítio. No hidrogénio, também estamos perante um carro eléctrico, com uma bateria, apenas a fonte de energia é diferente. Nos carros actuais, a energia eléctrica é acumulada através de iões de lítio e no hidrogénio, é o gás que é a fonte de energia eléctrica. Acredito que o futuro trará um equilíbrio entre iões de lítio e hidrogénio, que será maioritariamente para quem necessite de fazer viagens mais longas.
E para os veículos pesados?
Também. Apesar de se terem dado importantes passos na electrificação dos veículos pesados, temos visto que é muito difícil transportar dez ou 20 toneladas de carga, apenas com energia eléctrica. Aí, o hidrogénio parece ser a solução de futuro. Espero que 2024 seja já um ano de reequilibrio de forças.
Há alguma expectativa no ar, após a BMW ter anunciado que irá deixar de ter concessionários, ou seja, pretende adoptar o modelo da Tesla.
Poucas são as marcas que não querem mudar para esse modelo e é um processo que já não pára e que será a realidade dentro de algum tempo.
O que vai acontecer?
As marcas têm o modelo da Tesla como exemplo e têm o receio de empresas como a Amazon. Por isso, vêem-se obrigadas a criar estruturas equivalentes a estas organizações. O modelo de distribuição irá alterar-se, o regime de concessão que temos hoje irá passar a um de agenciamento. O que conseguem as marcas com isso? Conseguem controlar os preços, e conseguem dominar a cadeia de distribuição integralmente. Isto não será necessariamente mau para os retalhistas. Ou seja, para nós, as pessoas que estão a lidar directamente com o público e com os clientes, na linha da frente. Os retalhistas não têm, obrigatoriamente, de ficar pior do que estão hoje. Tudo isto terá de ser negociado com as marcas. O que os fabricantes têm vindo a dizer é que há um volume de lucro de margem fixa e outro e margem variá- vel numa viatura, que é posta à disposição da rede de concessionários - uma é qualitativa e a outra quantitativa - e que, pela luta de mercado, se tem vindo a delapidar estas margens e a retirar nobreza às marcas representadas. Sabemos que é assim que funciona o mercado. Um cliente que venha a Leiria a uma qualquer marca para adquirir uma viatura e que, a seguir vá a Coimbra, encontrará preços diferentes dentro da mesma marca. A oferta de desconto em Leiria será diferente em Coimbra, em Lisboa ou no Porto e se o cliente quiser andar a saltar de concessionário em concessionário, encontrará preços díspares ao longo de todo o País. Isto para as marcas é muito mau, porque lhes dá uma má imagem perante o público.
Então o que pretendem os fabricantes?
Querem dar um passo semelhante ao franchising. Quando vamos a um restaurante de fastfood ou a uma loja não pedimos descontos a ninguém. O preço é o que está afixado. Paga-se e é assim que está definido. Por que razão há-de ser diferente no ramo automóvel? Com o novo modelo conseguir-se-á uma dignidade de preço e maior justiça. As marcas vão competir entre si, sem qualquer concertação de preços, como é lógico, e o que haverá será uma luta comercial entre marcas. A concessão ou agente, no futuro, irá receber a preferência do cliente que comprou online à marca e escolher onde quer levantar o carro. O agente será pago por esse serviço, porque há sempre custos associados à entrega de uma viatura nova. Por exemplo, o cliente terá de receber instruções e ter-se-á de fazer a ligação entre cliente, marca e carro. Há ainda a questão das viaturas comunicantes, sempre ligadas ao fabricante. Aliás, já hoje assistimos a intervenções On The Air (OTA), onde o carro nem sequer vai à oficina e a actualização de software é feita remotamente. Porém, todo o trabalho mais directo terá de ser remunerado e o agente terá de receber dinheiro por isso.
Quais são os obstáculos à adopção desse modelo?
As marcas estão cheias de dúvidas. Estão a “apalpar” o terreno e a perceber como é a melhor maneira de pôr tudo isto a funcionar. Todos os fabricantes têm noção de que a sua rede actual de concessionários é uma mais-valia. Permitem a proximidade ao cliente e a capitalização da marca no mundo inteiro. O cliente não sabe quem é a pessoa em Wolfsburg com quem deve falar sobre um automóvel da Volkswagen, no entanto, sabe quem é a pessoa em Leiria, na Lubrigaz. E a Lubrigaz tem de dar a cara perante a marca em Wolfsburg. É assim que funciona e não pode ser de outra maneira, porque, uma coisa é um fabricante chegar do zero, como aconteceu com a Tesla e arrancar com toda a estrutura que ela própria criou, com uma produção de um milhão de viaturas. E outra coisa é o Grupo Volkwagen, que existe há décadas desde o final da Segunda Guerra Mundial, que tem uma rede global, que produz 30 ou 40 vezes mais do que a Tesla e que, por ter tantos modelos e tantos clientes, tem de dar a cara. São realidades diferentes. Todas as marcas entendem que têm de manter a rede de concessionários e que não podem comprometer o seu futuro. A rede tem de ser viável economicamente e é aqui que estará focada a negociação das condições do agenciamento, com o importador ou com quem for. O que terá de pagar essa comissão negociada? A formação? As tecnologias de informática? As instalações? As viaturas de serviço? Tudo, mas tudo mesmo, terá de ser negociado. Contudo, a única coisa que parece que está a condicionar fortemente o agenciamento é a questão da facturação das viaturas. E estamos a falar no campo da suposição e de modo transversal a todas as marcas. Como eu disse, os fabricantes ainda têm dúvidas de como isto se irá processar. No modelo de agenciamento, o cliente adquire à fábrica, esta factura ao cliente, o cliente paga e recebe o carro. O agente deixa de intervir neste processo. Olhemos agora para a quantidade de carros que, todos os dias são comprados em todo o planeta. Imaginemos a estrutura comercial necessária para vender automóveis em todo o globo, a máquina de controlo de crédito, de facturação e de cobrança... é uma coisa brutal. É um colosso! Naturalmente, as marcas estão a tentar perceber se conseguem fazer face a esta situação. É por esta razão que está a surgir uma nova onda. Ou seja, há dois caminhos possíveis no agenciamento; o genuíno e o agenciamento não genuíno. O primeiro funciona como descrevi: o cliente faz a encomenda à fábrica, esta factura e o agente entrega o carro e recebe uma comissão pelo seu trabalho. No não genuíno, apesar de o stock estar na fábrica, a facturação é realizada pelo agente. Desta maneira, resolve-se um problema porque estamos muito mais próximos, conhecemos e lidamos a nível micro com o cliente. Não será uma fábrica que, a nível macro, irá trabalhar com ele que estará numa qualquer aldeia erdida no meio de Portugal, como é lógico. Só posso dizer que tudo isto está numa grande evolução e mutação. No que resta de 2022 e em 2023, teremos uma forte negociação para se afinarem todos estes mecanismos. Para mim, é inquestionável que as marcas precisam da rede e a rede precisa das marcas. Será necessário equilibrar muito bem os interesses de ambas as partes, de forma que se concretize aquela ideia de win/win, onde ganham as duas. Só que, neste caso, será necessário ganhar a três e não a dois: a fábrica, o concessionário e o cliente. Num modelo assim, como será possível ao cliente experimentar um carro? Evidentemente, não se trata propriamente de comprar um reló- gio ou uma carteira. Essa questão tem de ser respondida na parte da negociação entre o agente e a marca. Hoje, o stock de carros é do concessionário, tal como os carros de serviço, e nós gerimos isso com o cliente. Como vai um cliente adquirir um carro sem o experimentar? É que o stock deixará de ser nosso. E as viaturas de serviço? Serão nossas ou da marca? Ninguém sabe ainda. Não há pormenores. Tenho reunido com organizações europeias que estão a lidar com o processo ao nível associativo e cada vez que temos uma reunião, verificamos que houve uma nova evolução. Percebemos que, dentro da Europa, há mercados a funcionar a velocidades diferentes. Há países que já têm o agenciamento a funcionar por tipologia de carro. Há duas grandes divisões de produto: os carros com motores convencionais térmicos e os electrificados (eléctricos ou híbridos). Os fabricantes estão a usar estes últimos como balões de ensaio para o que pretendem para o futuro e estão a avançar para o agenciamento com eles.
Isso significa que haverá, no futuro, menos opções em termos de modelos disponíveis para o cliente?
As marcas estão todas a afunilar a oferta. Há quatro ou cinco anos, era perfeitamente possível adaptarmos um carro ao nosso gosto. Vermelho, com estofos bege, com jantes de 21'', faróis LED Matrix, com tecto de abrir, com bagageira eléctrica.... Hoje, as marcas estão a apostar em pacotes pré- -definidos de equipamento e, depois, nós, os consumidores, escolhemos aquele que queremos e mais nos agrada. Mal comparado, é como ir comprar um fato a um pronto-a-vestir. Não se pode chegar à loja e pedir um fato com mangas de uma cor, o corpo de outra, os botões de um lado diferente. Não. Um fato é standard! As marcas estão a caminhar nesse sentido, no sentido de facilitar a produção e a correspondência à vontade do cliente, para impulsionar a venda online. Esta será muito mais fácil, se estiver segmentada. Apenas há as opções A, B, C e D e nelas, o consumidor terá de encontrar os equipamentos e características opcionais que pretende para permitir uma produção mais ágil de parte da fábrica. Efectivamente, estamos a caminhar para uma diminuição de opções e o eléctrico impele isso.
Parece que voltaremos à célebre ideia de Henry Ford que dizia que os Ford Modelo T que saiam da sua fábrica poderiam ser de qualquer cor que o cliente desejasse, desde que fossem sempre pretos.
Sim, é um pouco isso, mas com automóveis eléctricos. As opções são cada vez menos. Mas há razões lógicas e de técnica para isso. Por exemplo, uma das questões mais importantes nos eléctricos é a aerodinâmica. Não podemos alterar as jantes só porque nos apetece, elas têm uma componente muito forte no coeficiente aerodinâmico (Cx) do carro. Não podemos estar a pensar em alterações de frente, de grelhas ou tectos de abrir, porque tudo isso aumenta o arrasto produzido pela viatura e diminui a sua eficiência. Esta semana, estarei numa convenção internacional de uma confedera- ção de associações, na Alemanha, onde estes assuntos serão trabalhados. Temos países onde, dentro do mesmo grupo, uma marca lança um eléctrico e o modelo funciona e outra lança também um eléctrico e não funciona. Verifica-se que a rede de concessioná- rios não ficou “casada” com a ideia e com a marca e voltou tudo para trás. A marca não pode ter a rede de concessionários contra si e a rede de concessionários não pode ter a marca de costas voltadas, porque depende dela. Ainda está tudo a apalpar terreno, ainda está tudo ainda a sentir qual é a melhor solução para se atingir a tal trilogia ganhadora dos três wins. No modelo de agenciamento, no mercado de usados e de serviço nada muda. A alteração que se está a ensaiar é ao nível da venda de viaturas novas. As oficinas autorizadas vão manter o mesmo status quo e o canal de abastecimento de peças continuará com funcionamento igual. Posso anunciar que o Grupo Volkswagen irá avan- çar no próximo ano, com a Cupra, uma das marcas do Grupo Seat, com o novo modelo de agenciamento, para o modelo Cupra Born.
Como está o mercado de usados em Portugal? Continua a não haver carros, tal como no de viaturas novas?
Sim. Também aí há grandes dificuldades. Por isso, assistimos a uma explosão de importação de viaturas usadas. Há grandes dificuldades nas grandes cadeias de abastecimento. Não há produto e não há carros, embora se verifiquem alguns picos de fornecimento, à medida que existem algumas devoluções de buybacks por parte das rent-a-cars. Até estas empresas estão a fazer prolongamentos de períodos de utilização das viaturas porque, como não tinham abastecimento de novas, mantêm em serviço aqueles que têm em seu poder. Com algum abastecimento que tem havido, as empresas libertaram algumas viaturas do chamado buyback e, é por isso que se assiste a alguns picos no abastecimento. Mas a realidade é que o mercado está inflacionado. Nos leilões de viaturas usadas, assistimos a preços incrivelmente acima daquilo que é hábito. Já assistimos a casos de operadores a comprarem viaturas e a colocarem-nas à venda a um preço praticamente igual ao da compra, apenas para manterem os clientes servidos. Apenas para manterem a roda a girar, porque, efectivamente, não há produto! O pior que pode acontecer é uma empresa de venda de retalho de viaturas usadas sair da lista dos clientes. Se estes perceberem que eles têm uma quebra de produto, o pensamento imediato será: “ali não vale a pena, porque eles não têm automóveis para vender!”. Estamos, por isso, a assistir a esforços exageradíssimos por parte dos operadores apenas para manterem a máquina viva, de modo a assegurarem a sua subsistência futura. Não é para assegurar o negócio no dia de hoje, é manter o cliente activo e consigo, para amanhã, na retoma, poderem trabalhar e ganhar dinheiro.
Quais são os principais mercados abastecedores de viaturas usadas?
Temos vindo a assistir a uma enorme criatividade por parte dos operadores. Eles podem abastecer-se a nível nacional, em leilões, de leiloeiras e de financeiras, e há até campanhas de compra de viaturas a particulares. Isto é, os retalhistas lançam campanhas de compras às pessoas que estão em casa. Quando o mercado nacional não chega para o que se precisa, opta- e por outros canais, que, como é lógico, são os países da União Europeia, os mercados variam. Dentro de cada um deles, há várias formas de operar. Ou se opera como freelancer ou se opera com brokers que já estão instalados e montados nestes países e que oferecem mais confiança no fornecimento das viaturas. Para os eléctricos, há mercados que têm preços mais apetecíveis e, para os automóveis com motores a gasolina, há outros mais interessantes. Há mercados que vendem carros com menos quilómetros, há mercados que os vendem com mais utilização.... É algo que depende da dimensão de cada país. Dentro da Europa, a minha percepção é que o mercado está a funcionar de forma equilibrada. Os países trocam os carros entre si de forma harmoniosa. Sabemos que países como Portugal, que têm um peso fiscal aberrante, com taxação das viaturas com valores extremamente elevados e onde as marcas quase têm de ter preços subsidiados para poderem ser competitivas, vemos que há modelos mais apetecíveis para os operadores estrangeiros virem cá comprar e outros que, para nós, são mais apetecíveis irmos comprar lá fora. É um equilíbrio de forças... é como a água, ela vai escorrendo e acaba por se nivelar.
O que está a acontecer às baterias dos eléctricos, agora que já se passaram mais de dez anos desde que os primeiros veículos deste tipo começaram a circular e a garantia já acabou?
Está a acontecer muita coisa. Por um lado, a reciclagem pura e dura da matéria-prima, por outro, a reutilização das baterias, que é, actualmente, um dos canais mais importantes e de maior destaque para as baterias em fim de vida. Uma das soluções, está “casada” com a capacidade de a bateria reter e fornecer energia, pois elas podem ter perdido a capacidade de reter energia em quantidade suficiente para colocar uma viatura em movimento, no entanto, para uma casa ou para a indústria, têm capacidade de reter e fornecer energia para as suas necessidades.
Como se processa isso?
Basta ver este exemplo. Se tivermos painéis solares instalados em casa, e se estivermos fora de casa, durante o dia, quando estamos no trabalho, eles irão estar a produzir e alguma estará a ser consumida e outra a ser injectada na rede eléctrica. Para aproveitar a energia à noite, que é quando estamos em casa e consumimos mais, as baterias retiradas de viaturas eléctricas, podem ser a solução. Há empresas que fazem esta transformação e aplicam as baterias dentro de casa, para que possam ser utilizadas até para carregar carros eléctricos, com energia produzida a partir de painéis solares. Há anos, quando fui a primeira vez à Web Summit, estava lá a Williams, uma marca que conhecemos da Fórmula 1, e eles estavam a demonstrar uma das actividades que tinham e que era, precisamente, já essa; não a reciclagem, mas o reaproveitamento de baterias dos carros eléctricos, para utilização em empresas, nalguns processos, e, em casa, para iluminação e electrodomésticos. Na época, fiquei espantado com isso, hoje, está perfeitamente adoptado e colocado em prática.
O tempo de vida destas baterias reaproveitadas é de quanto?
É longuíssimo. Numa viatura, a garantia é de dez ou 12 anos, mas elas duram muito mais tempo do que isso. Apenas perdem a garantia. Depois, quando elas chegam ao fim de vida, não é necessário mudar completamente a bateria, porque ela é composta por vários módulos, que podem ser substituídos. Isso obriga a uma tecnicidade elevadíssima de parte de quem opera estas viaturas. Nós, aqui na Lubrigaz, somos uma das três concessões a nível nacional, que emprega pessoal qualificado para desmontar baterias. Ou se traz o conjunto todo à oficina, ou traz-se o carro, e depois, o nosso pessoal - volto a sublinhar, “qualificado” - pode abrir as baterias e trabalhar nelas. Atenção que este é um trabalho que, se for mal feito, pode significar risco de morte por electrocussão. Nunca esque- çamos isto. Trocar os módulos tem um preço bastante inferior a trocar toda a bateria. Elas são constituídas por um conjunto de módulos e pode haver um, dois ou três, que cheguem ao fim de vida após a garantia expirar, em 30 ou 40 no total. É verdade que as baterias constituem uma talhada de leão no preço do carro, mas o que está em causa não é uma bateria inteira. Quando, são reaproveitadas para as casas, podem durar mais de 30 anos. É uma longevidade incrível!