Sociedade
O antioxidante medronho que pode ser tão bem sucedido quanto o açaí
O medronheiro é uma das mais comuns espécies de flora autóctone no País e além do potencial para criar a famosa paisagem em mosaico, resistente ao fogo, o seu fruto é um superalimento que está despertar a atenção de muitos no mercado
Produz frutos com sabor fresco e doce. O medronheiro ocorre naturalmente em 100% do território nacional, e o seu fruto tem um alto potencial antioxidante, fazendo com que o seu consumo seja benéfico para a saúde do ser humano.
Além disso, tem um enorme impacto ambiental positivo na criação e preservação dos solos, criação de biodiversidade e captura de água, porém é desprezado pelos silvicultores e boa parte dos portugueses acredita no mito de que comê-los provoca embriaguez.
O autóctone medronho é muito comum no nosso País e, caso os planos dos, cada vez mais numerosos, produtores sejam bem-sucedidos, poderá vir a ter um mercado tão importante quanto o do açaí, um outro fruto e superalimento, que faz furor a nível mundial entre os entusiastas das dietas equilibradas, da saúde e bem-estar.
“O medronho é um fruto que vai valorizar muito no futuro próximo. Daqui a 20 anos, será consumido em todo o mundo, embora, provavelmente, com uma escala mais pequena à do açaí”, acredita Rui Lopes, nutricionista, investigador do CiTechCare do Instituto Politécnico de Leiria (IPL).
O também proprietário da empresa Medronho & Canela, spinoff do IPL, criada para dinamizar a comercialização do “Pão Medronho”, criado por si e abrir a porta a outros produtos de inovação alimentar e nutricional, explica que só as propriedades antioxidantes do medronho justificariam um investimento com vista à exploração comercial.
“É um alimento com potencial para atrasar o envelhecimento e que ajuda imenso o sistema imunitário contra a agressão do Inverno”, aponta, sublinhando que o “Pão Medronho” após ser confeccionado retém uma actividade antioxidante de 25%, enquanto outros produtos criados pela Medronho & Canela e que chegarão brevemente aos hiper e supermercados, as trufas e bombons de medronho retêm entre 65 e 75%.
Rui Lopes está optimista e anuncia que a sua empresa irá lançar no mercado, em 2023, mais seis produtos de largo espectro de consumo à base deste fruto vermelho.
Pão, trufas e bombons de medronho
Em Maio de 2022, chegou aos supermercados o “Pão Medronho”, criado por Rui Lopes, investigador do Instituto Politécnico de Leiria, após uma década de trabalho.
A empresa Medronho & Canela celebrou parceria com a Sonae, proprietária dos hipermercados Continente, para colocar o produto nas prateleiras das suas 327 lojas.
A ideia de fazer pão com a integração do fruto começou como uma brincadeira durante uma oficina de fabrico de pão, na terra-natal de Rui Lopes.
O investigador juntou os frutos à massa e o resultado foi um “pão tosco”, cujo sabor e textura agradaram à sua mãe e incentivaram a continuar o trabalho durante o percurso académico, em Nutrição, no IPL.
Leu artigos científicos, resolveu os problemas da conservação de nutrientes no fabrico e das grainhas e sementes, ao fim de 60 tentativas, em cerca de dois anos. Finalmente, saiu do laboratório e aplicou o conhecimento na indústria.
O resultado é um pão escuro, de côdea crocante, estaladiça, com textura, macio e húmido, de cheiro agradável. Rui Lopes tem a expectativa de serem vendidos à volta de 350 mil pães por ano, desta fonte de proteína e de fibra, sem aditivos e com elevado teor antioxidante.
Antes de este ano chegar ao fim, chegaram dois novos produtos, que já venceram prémios, desenvolvidos em parceria pela Medronho & Canela e uma chocolataria de Vila Nova de Famalicão, uma trufa e um bombom.
“Há algum tempo que pretendia criar um chocolate de medronho e andava já a trabalhar numas formulações de medronho. Quando conheci a SIM Chocolate, propus uma parceria.”
Os trabalhos de desenvolvimento começaram em Maio de 2021.
A trufa é crocante e cremosa, escondendo um recheio com preparado de medronho e os bombons contam com três sabores, distribuídos por outras tantas camadas. A camada é de chocolate, depois há uma de caramelo e medronho, e, por fim, uma ganache de chocolate e medronho com canela.
A trufa e o bombom chegarão em breve ao mercado.
Portugal é o maior produtor mundial de medronho
Para aumentar o mercado do medronho é preciso desmitificar alguns mitos, como a famosa bebedeira resultante do seu consumo (ler caixa em baixo, com explicação do fenómeno).
O investigador do IPL sublinha que Portugal é o País mais avançado na sua exploração e há cada vez mais produtores interessados em substituir as monoculturas de espécies exóticas potencialmente prejudiciais para o ser humano e destruidoras de solos e de água, optando pelo resiliente medronheiro.
Existem espécies e subespécies de medronheiro em toda a bacia mediterrânica, na Escandinávia, na América Central, no norte dos EUA e mesmo no Canadá, contudo, o nosso País é o maior produtor mundial de medronho.
Apenas nas ilhas atlânticas não foi ainda identificada a sua presença.
Recentemente, o ICNF validou a arborização e rearborização de 2951 hectares de medronheiros e a REN plantou mais de um milhão de pés entre 2010 e 2020, numa área superior a três mil hectares. Após um incêndio, o medronheiro volta a rebentar e ao fim de três anos, já frutifica.
Ao fim de quatro, terá o porte verificado antes de ser atingido pelas chamas. Já começam a ser comuns plantações da espécie com técnicas de plantio semelhantes às dos pomares de maçã e pêra, com a vantagem de ser uma cultura biológica e sem necessidade de utilização de fito-fármacos.
“Os espécimes estão a ser aprimorados com recurso à clonagem, a partir dos melhores exemplares da espécie”, conta Rui Lopes.
Este arbusto de porte arbóreo existe no planeta Terra, pelo menos, desde o Jurássico, provavelmente, graças às suas características especiais.
A sua madeira contém 98% de características antioxidantes, que poderão ser utilizadas na indústria farmacêutica, mas há outras coisas que o tornam numa espécie nobre.
Além de ser extremamente resistente ao fogo, de arder muito devagar por não ter óleo nem resina inflamáveis na sua copa e tronco, dando tempo para o combate às chamas, e de, no subsolo permitir a expansão de microrrizas - redes simbióticas de fungos essenciais para os ecossistemas saudáveis -, e de permitir ainda a instalação de musgos, que auxiliam à manutenção da água no solo.
E é uma espécie que resiste às mais adversas condições, da falta de água, ao fogo e ao gelo.
“O fruto demora meses a amadurecer. A colheita começa em Setembro e estende-se até Janeiro. A maturação acontece numa época com as maiores amplitudes térmicas, com chuva e com temperaturas que podem variar entre os -17 aos 32.ºC em algumas zonas, como acontece na Serra da Estrela. A maçã e a pêra não têm essa capacidade, que lhe é conferida pela sua complexidade química”, explica o investigador do IPL.
Outra das vantagens da sua utilização em zonas destruídas pelo fogo, além do crescimento rápido, é o incremento da rapidez com que as outras espécies autóctones se instalam, pois ao florescerem no Inverno, quando os insectos não têm o que comer, são uma fonte de alimento para estes seres que polinizam as plantas e são, em grande parte, responsáveis pela fertilização das espécies de flora.
“O medronheiro e o sobreiro são simbióticos. Um beneficia o outro, um protege o outro”, diz Rui Lopes, recordando os tempos de infância, há quatro décadas, quando, na sua terra-natal de Proença-a-Nova, existia um ecossistema diverso, povoado por arbustos e árvores autóctones, como o carvalho e o castanheiro, por fauna natural e pelo ser humano.
“Antigamente, o nome de Proença-a-Nova era Cortiçada, indicador da espécie mais comum na zona. Quando eu era criança e jovem, o ecossistema diverso fornecia o que precisávamos. O mato era retirado dos pinhais, para fazer as camas dos animais e depois utilizado para adubar os campos. Os medronhos eram colhidos para o fabrico de aguardente, de nove em nove anos, colhia-se a cortiça e, no Outono, nos soutos, apanhava-se a castanha para vender, após ser seca. A economia funcionava.”
Com o aparecimento de uma outra filosofia de aproveitamento da floresta ela deixou de ser olhada como fonte de rendimento. Uma só espécie, o eucalipto, foi extensamente plantada, deixou-se de limpar o mato e o despovoamento transformou a zona em desertos verdes.
Um modelo de exploração económica que poderia ser aplicado, aproveitando o melhor de todas as espécies autóctones e o seu potencial económico e de biodiversidade seria aproveitar as relações simbióticas que se estabelecem entre elas.
Imaginemos um regresso a um modelo de exploração do passado, onde fosse possível obter rendimento de uma exploração silvícola organizada e inteligente, onde se possa colher medronhos para mil e uma utilizações no âmbito da gastronomia, das bebidas espirituosas ou da indústria farmacêutica, onde se possa colher cogumelos para refeições confeccionadas por chefs, onde se possa retirar a cortiça de sobreiros, apurados para produzir mais cedo e com grande qualidade, onde se possa colher a bolota das azinheiras, depois transformada em nutritiva farinha utilizada na culinária, ou a castanha dos castanheiros e a madeira dos carvalhos para mobiliário.
Tal cenário, que já existiu em praticamente todo o território nacional, daria ainda emprego ao longo de quase todo o ano, fixando a população nas zonas mais despovoadas.
O mito da bebedeira do medronho
Com tanto potencial económico, gastronómico e farmacêutico, por que razão não existe uma aposta mais substancial no medronho e por que razão não é consumido como outros frutos vermelhos mais populares?
No seu ambiente natural, no bosque autóctone, a forte cor vermelha e o seu formato não deixam ninguém indiferente. Seres humanos e animais são atraídos por ele, mas apenas os segundos o consomem regularmente.
Rui Lopes, que, quando era criança, comia medronhos às escondidas dos adultos que lhe zurziam as orelhas com constantes avisos sobre o fruto, lança para cima da mesa uma hipótese.
“É muito apelativo, porém não parece haver muito interesse no seu consumo em natureza, que é a melhor forma de os consumir. Não há apenas uma explicação para o fenómeno, no entanto, acredito que tenha algo que ver com o mito da embriaguez causada a quem os come.”
Embora esteja cientificamente comprovado que não existe álcool nos frutos maduros em quantidade suficiente para induzir um estado de embriaguez, existem relatos, normalmente, recordações da primeira infância, na primeira e por interposta pessoa.