Sociedade
O que é que o Bodo tem?
Num dos concelhos com maior índice de emigração, as Festas do Bodo assumem-se como a porta que abre um mês dedicado a matar saudades
O óleo quente crepita numa caçarola da barraca de farturas de Jorge Gomes, enquanto se prepara mais uma leva de massa. Não tarda, em cima de uma cama de açúcar e canela, aquela espiral há-de cortar-se à unidade e vender-se assim, ou à meia-dúzia, num saco que agora é de papel.
“Já viu? Até parece que vimos da boutique!”, ironiza Maria Clara, a primeira daquela extensa fila que se forma todos os dias, no passeio do Largo do Cardal, em Pombal. Há Bodo na cidade, são as festas seculares que imortalizaram o gesto crente de Maria Fogaça, figura mítica que mandou fazer a primeira festa, como sinal de agradecimento a Nossa Senhora do Cardal, por ter livrado o povo e a terra de uma praga de gafanhotos e um outro milagre: um homem que entrava no forno onde era cozido o bolo gigante (bodo) e de lá saía incólume, de cravo na boca e chapéu na cabeça.
Mas, nesta época, é outro o milagre que se celebra; o de uma terra que, uma vez por ano, se enche de gente, que mandou para fora muitos dos seus. Entre emigrantes e migrantes, Pombal foi, por estes dias, casa cheia. Gente que, na esmagadora maioria dos casos, não partiu porque quis, mas “porque teve de ser”, como referem ao JORNAL DE LEIRIA.
A emigração repete-se ciclicamente, acompanhando as crises económicas do País. É assim por toda a parte, mas no cômputo do distrito de Leiria, Pombal ocupa uma posição de destaque, a competir com o vizinho concelho de Ourém. E, por isso, o Bodo é um bom exemplo de uma festa que celebra a saudade, a partilha – como nos primórdios, afinal – mas, agora, em forma de farturas e copos de cerveja, almoços e jantares de família e amigos, e conversas intermináveis. Dirá o leitor que isso acontece em qualquer lugar onde haja emigrantes e migrantes, dizemos-lhe nós que o que acontece em Pombal é elevado ao extremo. Que o digam Cristóvão Moreira e Sara Sintra, ambos naturais da Charneca, a aldeia que do alto olha a cidade lá em baixo, nas margens do Arunca, e que o JORNAL DE LEIRIA conheceu no domingo à tarde, num desses encontros casuais com outros amigos que aproveitam o clima ameno de festa.
“Só faltámos um ano, foi quando nos casámos. Não viemos ao Bodo porque estávamos em lua de mel, mas custou”, conta Cristóvão. Ao lado, a frase encontra consenso num dos amigos. Sérgio Gameiro, natural da mesma aldeia, emigrou há 15 anos para a Suíça, com a mulher, Andreia Marques.
“Marco sempre as férias para vir a tempo do Bodo. Não posso faltar. É aqui que encontro os meus amigos e me recordo de quando era miúdo”.
Desses tempos fazem parte algumas memórias que já não é possível revisitar, como “o Ilídio dos Frangos”, recorda, referindo-se à churrasqueira que existia junto à Linha do Norte, e onde era tradicional almoçar ou jantar num dos dias de Bodo.
É a memória mais antiga que guarda da festa, a par de outra, que agora transmite aos filhos: os carrosséis, parte incontornável do certame - um parque de diversões que, na região, só é suplantado pela Feira de Maio, em Leiria.
Faz as delícias de miúdos e graúdos, num frenesi que começa à tarde e só acaba de madrugada cedo. Foi entre a pista de carros-de-choque e outra barraca de farturas que encontrámos Ricardo Nunes, 41 anos, natural do Paço, freguesia de Almagreira, e a mulher, Fátima Santos, natural do Barrocal, na periferia da cidade.
E é este casal ainda jovem que nos fala, pela primeira vez, de uma outra tradição que o Bodo mantém: o baile da pérgula, no Jardim do Cardal. É essa a memória mais bem viva que ela guarda dos tempos de menina e moça. Já Ricardo elege como recordação predilecta “a loucura dos carrosséis”, num tempo onde as assimetrias eram bem vincadas.
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