Sociedade
Operadores do CDOS confirmam pedido de meios e dificuldade de comunicações
O chefe de sala admitiu que nem tudo pode ter ficado registado na fita do tempo
Os chefes de sala do Comando Distrital de Operações de Socorro (CDOS) de Leiria à data do incêndio de Pedrógão Grande, em 2017, confirmaram hoje ao Tribunal de Leiria que houve vários pedidos de meios e dificuldade nas comunicações.
Explicando que os chefes de sala não trabalham habitualmente ao fim-de-semana, Pedro Borges disse ter chegado ao CDOS pelas 17 horas e que, a pedido do 2.º comandante à data, Mário Cerol, comunicou com o comando nacional para fazer o ponto de situação dos meios já solicitados, pois “nunca mais chegavam”.
Pedro Borges afirmou que o registo de 177 operacionais, 48 veículos e dois meios aéreos “estavam escritos porque foram solicitados”, embora não tenha sido escrito que foram desviados.
“Quem faz esse registo é o comando nacional e deveria ter escrito que houve grupos que foram desviados, pois quem está no teatro de operações pensa que os meios estão a caminho”, explicou, em resposta a Filomena Girão, advogada do arguido Augusto Arnaut, comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande.
O chefe de sala na altura admitiu ainda que nem tudo pode ter ficado registado na fita do tempo, “tendo em conta a maior pressão a que a sala estava sujeita”.
“Não tenho dúvidas que foram pedidos” reforço de meios e meios aéreos, sublinhou Pedro Borges, ao referir que o despacho de aviões pesados são da responsabilidade do comando nacional.
O operador acrescentou que “houve pedidos que foram feitos pelos comandantes Sérgio Gomes e Mário Cerol diretamente ao comando nacional”, ao sublinhar que não havia “perceção dos meios desviados”.
“Recordo-me de duas situações: dois grupos que foram mobilizados, por volta das 17:00/18:00 e nunca mais chegavam. O Mário Cerol pediu-me para ligar para o comando nacional para saber onde estavam e disseram que tinham sido desviados para Portalegre. Outra situação foi que não havia rede Siresp e do comando nacional informaram que estava a sair uma carrinha satélite às 21 horas, mas só viria a chegar às 6 horas da manhã”, revelou.
Sobre o não accionamento do helicóptero de Pombal no ataque inicial, Pedro Borges explicou que “existe uma determinação que o meio aéreo só deve ser acionado dentro de um raio de 40 quilómetros” e esse meio estava a 42 km. Nesta situação, teria de ser o comando nacional a validar.
O operador assumiu ainda que houve factos que ficaram por registar, mas considerou que tenham sido situações menos relevantes e disse que as comunicações “colapsaram” pelas 20:00.
Também Carla Marques, chefe de sala que substituía Pedro Borges, foi chamada para a sala de operações no dia do incêndio e afirmou terem sido pedidos meios para Pedrógão Grande. “Eu própria perguntava pelos meios e tanto o comandante distrital como o segundo me diziam que não havia”, referindo-se à resposta dada aos seus superiores pelo comando nacional de Protecção Civil.
“Antes das 17 horas não havia meios para reforçar”, frisou, admitindo que “entre uma chamada e outro pode ter falhado algum registo”.
Respondendo a Filomena Girão, a operadora do CDOS disse que “se é feito o accionamento e não esta lá que os meios foram desviados, pode dar um número elevado” e não ser real.
Carla Marques também apontou a falta de comunicações, que começaram a sentir ao final do dia. “Tentámos estabelecer contacto com as corporações, por rede fixa, e posteriormente, por via Siresp e não era bem sucedido. Por isso, dissemos aos operadores que estavam na VCOC [Veículo de Comando e Comunicações] que iríamos colocar na fita do tempo todas as informações, porque a internet ainda funcionava”, revelou.
A operadora conseguiu, por vezes, contacto com o posto de comando através dos telemóveis pessoais. “A determinada altura eu e o Pedro remetemos dois operadores que estavam na sala para ir para irem para Pedrógão Grande com um rádio para estabelecerem contacto connosco. À sua chegada a estratégia não foi bem sucedida porque não tinham rede Siresp”, lamentou.
Em causa neste julgamento estão crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. No processo, o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
Os arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) e três da Ascendi (que tem a subconcessão rodoviária Pinhal Interior), e os ex-presidentes da Câmara de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente.
O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, também foi acusado, assim como o antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves.